Introdução
Neste post, vamos focar em dois componentes centrais da escrita: a narração e a descrição. Ambos são fundamentais para qualquer escritor, desde que ele saiba quando e como os utilizar. A escrita literária é feita em camadas. Cada palavra, cada frase e cada parágrafo têm um propósito definido. Vamos explorar isso juntos?
Narração: A Arte de Contar
O que é narração?
A narração é o processo que o escritor usa para contar uma história detalhando os eventos numa sequência lógica e coerente. É ela que dá o movimento e revela as ações, as intenções e os desdobramentos da trama.
Em outras palavras, a narração serve como guia nos textos literários. Sem ela, o leitor ficaria perdido, sem saber como os eventos estão conectados ou em que direção a história está se movendo.
É por meio da narração que o escritor decide quais eventos são importantes, em que ordem eles devem acontecer e, inclusive, qual deve ser o ritmo da história. A narrativa está diretamente ligada às intenções que o autor tem de impactar o seu leitor.
A narração também pode ser usada para adicionar profundidade à forma como se dão os acontecimentos. Por exemplo, a narração de um diálogo pode ser feita com uma simples troca verbal ou, para dar mais profundidade, o autor pode explorar os sentimentos e os pensamentos internos dos personagens envolvidos.
Uma boa narração deve ter um equilíbrio entre “mostrar e contar”. Enquanto move a história adiante, a narração também oferece momentos para o leitor refletir, absorver e conectar-se com o enredo.
Quais as principais características da narração?
Ao longo do tempo, a narração tem sido um elemento-chave da literatura. Suas características mais importantes são reconhecíveis tanto pelos bons escritores quanto pelos leitores mais experientes.
Em toda narração, obviamente, há um narrador: a voz que conta a história. Pode ser um personagem dentro da história (o narrador-personagem) ou uma entidade externa (o narrador onisciente).
A escolha do tipo narrador define a perspectiva que a sua história será contada e, consequentemente, o quanto o seu leitor ficará sabendo dos pensamentos e dos sentimentos de seus personagens.
Outra característica fundamental é a sequência temporal. Toda narração deve seguir uma ordem, que pode ser cronológica, em flashbacks ou mesmo uma fusão delas, se preferir. É essa sequência que vai estabelecer a causalidade dos eventos e ajudar a construir um enredo coerente.
A ação é outra característica importante da narração. Ela está nos eventos que ocorrem na história e é quem dá movimento à trama. É por meio da ação que conflitos surgem, que personagens se desenvolvem e que o enredo evolui.
O contexto é mais uma parte significativa da narração. Ele oferece o pano de fundo para os eventos, estabelecendo o cenário, o ambiente e a atmosfera da história. O contexto pode ser tanto físico — descrevendo o ambiente em que a história ocorre —, quanto social — abordando as normas e os valores da sociedade retratada.
Por fim, mesmo não sendo indispensáveis, os diálogos são ótimos recursos da narrativa: funcionando para revelar a essência dos personagens, para adicionar ritmo e para desenrolar a trama.
Benefícios de uma narrativa bem-construída
Uma narrativa bem-construída tem o poder de cativar, de influenciar e até de mobilizar o leitor. É um poderoso instrumento de engajamento. Porém, esse tipo de conexão se estabelece quando a narrativa está baseada em tramas coerentes, em personagens verossímeis e em dilemas que despertam reflexões autênticas.
Em outras palavras, dentro de uma boa história, além do entretenimento, os leitores encontram ressonância e identificação. Eles veem seus medos, alegrias, desafios e esperanças ali refletidos — mesmo que em um contexto diferente. Essa habilidade de espelhar a natureza humana faz da narrativa uma ferramenta sutil, mas poderosa, para transmitir valores, questionamentos e descobertas.
Além de servir como um espelho da realidade, uma boa narrativa oferece um refúgio, uma válvula de escape, porque transporta o leitor para um mundo onde as pressões do cotidiano podem ser esquecidas momentaneamente, permitindo um repouso mental e emocional.
Conseguir criar esse tipo de narrativa é um dos maiores desafios literários. Ao mesmo tempo, é um investimento que pode trazer muita recompensa para o escritor. É preciso saber transformar visões, sentimentos e observações em texto que conta, dialoga, provoca e enriquece a história.
Descrição: A Arte de Mostrar
O que é descrição?
A descrição é um recurso literário que tem a função de apresentar os detalhes ao leitor. Enquanto a narração relata os eventos, a descrição detalha a atmosfera, o ambiente e as minúcias da história.
A principal função da descrição é desenhar uma imagem clara e precisa na mente do leitor. Para isso, podem ser explorados os 5 sentidos. A descrição serve tanto para apresentar a aparência, a personalidade e o comportamento de um personagem como para ilustrar um ambiente, o design de um cômodo ou a atmosfera de uma cidade inteira.
Os detalhes de uma boa descrição permitem ao leitor visualizar a história de um modo que o faz sentir-se parte dela. No entanto, a qualidade da descrição não está na quantidade de detalhes, mas, sim, na relevância desses detalhes para a história.
A magia dos detalhes vívidos
Os detalhes são a essência de qualquer descrição literária. Eles têm o poder de facilitar a compreensão e a imersão do leitor no mundo apresentado pelo escritor. Quando são precisos e claros, os detalhes podem criar uma representação mais convincente e, por conseguinte, mais envolvente.
Por exemplo, em vez de descrever uma casa genericamente como “antiga”, uma descrição mais detalhista, tal como “uma mansão vitoriana com tijolos desgastados pelo tempo, e um portão de ferro que range a cada movimento”, fornece ao leitor uma imagem mais específica e, consequentemente, mais tangível.
Os detalhes não se limitam à criação de imagens que evocam apenas efeitos visuais. Eles despertam emoções e criam ambiência. Conforme o exemplo do “portão de ferro que range”, essa imagem pode instigar sentimentos de curiosidade sobre a história da casa ou sobre quem teria vivido nela.
Contudo, é importante que o escritor seja seletivo na inclusão de detalhes. A descrição precisa ser relevante para a narrativa, evitando sobrecarregar o leitor com informações desnecessárias. Cada detalhe deve ter um propósito, seja para avançar na trama, para desenvolver um personagem ou para criar a ambiência da história.
O impacto de uma descrição imersiva
Uma descrição imersiva, além de informar, arrasta o coração do leitor para da história.
Quando o escritor se empenha em detalhar devidamente o ambiente, os personagens e as situações, ele permite que o leitor visualize e sinta cada aspecto da narrativa. Isso pode incluir a textura de um tapete sob os pés de um personagem ou o aroma adocicado das flores de um jardim.
Ademais, uma descrição imersiva sempre consegue aumentar a emoção de uma cena. Por exemplo, um diálogo entre dois personagens num lugar assombroso pode ganhar outras camadas de tensão se o ambiente for descrito como “um lugar escuro, com apenas uma vela tremeluzente, cujas sombras dançam nas paredes”.
Porém — novamente —, é essencial que a imersão sirva à narrativa. Ela não deve ser usada gratuitamente, e, sim, propositadamente, visando aprofundar o entendimento do leitor sobre a história.
Narração Versus Descrição
Diferenças e semelhanças
A narração e a descrição são 2 pilares importantes da literatura. Mesmo sendo distintas em suas funções, elas trabalham em conjunto para construírem uma boa narrativa.
A narração conta a história, dá o ritmo e move a trama, guiando o leitor pela sequência dos eventos, dos conflitos e de suas resoluções. Além disso, ela dá as respostas às perguntas “o que” e “como” da trama, na medida em que vai explicando os eventos e suas consequências.
Já a descrição tem a função de mostrar. Ela fornece os detalhes sobre os personagens, os ambientes e as situações, permitindo que o leitor visualize e sinta a história com mais profundidade. A descrição se aprofunda no “onde”, no “quando” e, algumas vezes, no “porquê”, oferecendo contexto e profundidade.
No entanto, apesar dessa clara diferenciação, a narração e a descrição algumas vezes podem se entrelaçar. Uma boa narrativa muitas vezes se beneficia de descrições ricas para acentuar momentos importantes ou para dar mais profundidade aos personagens. Da mesma forma, uma descrição pode ser aprimorada com elementos narrativos que adicionam dinamismo e movimento.
Quando usar cada uma delas
A sua decisão quanto ao uso da narração e da descrição pode moldar a experiência do leitor. Portanto, compreenda quando deve usar cada técnica para criar uma narrativa realmente coesa e envolvente.
Geralmente, a narração funciona como se fosse o motor de uma história, empurrando a trama adiante. Num romance policial, por exemplo, poderíamos usar a narração para relatar a sequência dos eventos: “Após a descoberta do corpo em um hotel abandonado, o detetive Martins foi chamado para fazer suas investigações”.
Por outro lado, a descrição oferece uma pausa na ação, permitindo que o leitor absorva os detalhes e mergulhe no mundo construído pelo escritor. No mesmo romance policial, ao chegar à cena do crime, o escritor poderia empregar a descrição para criar uma atmosfera tensa: “O ar no quarto tinha um peso; a penumbra revelou lentamente o contorno de um corpo no chão, cercado por janelas empoeiradas que mal deixavam a luz da lua entrar”.
Então, quando escolher cada uma? Ao estabelecer cenários ou criar atmosfera, a descrição se destaca como a melhor opção. Imagine a apresentação de uma vila medieval: as ruas estreitas, o som do mercado que se ouve à distância, o aroma da comida sendo preparada nas cozinhas — cada detalhe contribui para a construção desse cenário na mente do leitor.
Porém, quando a história exige dinamismo, movimento ou a progressão dos eventos, a narração deve assumir a liderança. Uma cena de batalha, por exemplo, poderia ser conduzida pela narração, detalhando as ações dos personagens e o desenrolar dos confrontos.
Já no desenvolvimento de um personagem é possível se beneficiar de ambas as técnicas. Por meio da narração, podemos apresentar as decisões e as ações de um personagem; com a descrição, podemos falar de sua aparência, de suas expressões ou de suas nuances emocionais.
O ponto ideal entre a narração e a descrição
Encontrar o ponto ideal no uso da narração e da descrição é um desafio que todo escritor enfrenta. Ambos os elementos têm o seu valor; portanto, é preciso saber como e quando os utilizar.
Considere uma cena em que dois personagens se reencontram após anos de separação. Com a narração, poderíamos rapidamente informar sobre esse encontro, dizendo: “Joana e Miguel se encontraram na cafeteria, após dez anos sem se verem”. Esta abordagem é direta, fornecendo apenas os fatos.
Acrescentando uma descrição, é possível adicionarmos uma camada emocional. Imagine agora a cena com alguns detalhes descritivos: “Na cafeteria, que estava quase vazia, ela escolheu uma das mesas mais reservadas; o aroma suave de café torrado era estimulante. Joana ajustava nervosamente seu cachecol enquanto o esperava. Seu coração ficou abruptamente mais acelerado ao ver Miguel entrar pela porta. Ele parecia mais velho, com linhas finas ao redor dos olhos, porém seu sorriso era o mesmo”. Esta descrição acrescenta uma camada de emoção e de contexto, tornando a cena mais viva e envolvente.
Evite adotar um viés excessivamente narrativo ou descritivo. Uma narrativa excessivamente descritiva torna a leitura lenta e tediosa; e, quando puramente narrativa, torna-se superficial e apressada. É preciso tecer a narração e a descrição harmoniosamente, garantindo que a história avance a um ritmo agradável, enquanto ainda oferece momentos de reflexão e de imersão.
Em termos práticos, o equilíbrio depende da intenção da cena. Em momentos de ação ou de reviravoltas significativas, a narração pode tender a ser mais predominante. Em contrapartida, as cenas introspectivas ou emocionais podem ser beneficiadas com descrições mais detalhadas.
Dicas para uma Escrita Eficaz
Como aprimorar a narração
Todos os escritores, inclusive os mais experientes, estão sempre aprimorando sua narração, pois, como já vimos, é por meio da narração que o escritor move a trama e conduz o leitor pelo seu universo. Relacionamos abaixo algumas estratégias que podem ajudá-lo a enriquecer a sua forma de narrar:
Esteja sempre consciente do seu ponto de vista
Se está narrando na primeira pessoa, garanta que as emoções, as percepções e os pensamentos sejam compatíveis com o narrador. Por exemplo, um detetive experiente, acostumado ao seu ofício, certamente não perceberá os detalhes de uma cena do crime com o mesmo olhar de um artista.
Faça variações na estrutura das sentenças
Uma narrativa fluida não depende apenas do conteúdo, mas também da forma como ela é apresentada. Escreva combinando sentenças curtas e diretas com outras mais longas e complexas. Isso pode incorporar ritmo e dinamismo ao texto. Veja como é possível aplicar essa técnica a uma cena de perseguição: “Ele correu. Os passos ressoavam no beco estreito. A cada esquina, a esperança de despistar seus perseguidores diminuía, mas ele insistiu”.
Evite excesso de voz passiva
Sentenças em voz passiva podem tornar a narração menos dinâmica. Em vez de “O livro foi lido por Maria”, opte por “Maria leu o livro”. Assim você coloca o sujeito da ação em destaque, tornando sua narração mais imediata e mais cativante.
Injete profundidade em seus personagens
Personagens bem-construídos são indispensáveis para que uma história seja crível. Permita que eles evoluam e reajam de acordo com os eventos da história. Se um personagem principal enfrenta uma tragédia, mostre como isso afeta seu comportamento, suas decisões e sua interação com os outros personagens.
Revisão é essencial
Os escritores mais experientes sabem que a revisão é uma etapa indispensável. É relendo o texto que você pode identificar os trechos em que a narração precisa ser aprimorada na linguagem, no ritmo ou em outros detalhes.
Dicas para valorizar a descrição
Já vimos que, simulando uma parceria, enquanto o papel da narração é contar a sequência dos eventos, o da descrição é detalhar as coisas que precisam de foco. A seguir, compartilhamos algumas estratégias que podem melhorar as descrições:
Seja específico em seus detalhes
Em vez de descrições vagas ou genéricas, ofereça detalhes específicos que ajudem a criar uma imagem clara. Por exemplo, em vez de dizer “Ela usava um vestido bonito”, poderia detalhar: “Ela usava um vestido de seda azul-celeste que fluía suavemente a cada passo, com bordados prateados nas mangas”.
Engaje os 5 sentidos
Não se limite ao visual. Traga os sons, os cheiros, o paladar e as texturas para a sua descrição. Por exemplo: “A feira estava novamente animada com o cheiro de frutas frescas e macias; vendedores alertavam com veemência: ‘Uma é R$ 3,00 e duas é R$ 5,00’”.
Verossimilhança
Note que as falas dos personagens devem ser verossímeis. No parágrafo acima, o certo seria “Uma é R$ 3,00 e duas são R$ 5,00”, porém, no dia a dia — em sua maioria —, não vemos os feirantes falando assim.
Evite clichês
Clichês podem tornar a descrição previsível. Em vez de dizer “Frio como gelo”, tente algo mais original, como “Frio como o sopro de um dragão adormecido”.
Estabeleça uma conexão emocional
Alinhe a descrição ao estado emocional da cena ou do personagem. Para uma cena triste, por exemplo: “A chuva caía lentamente, e as gotas traçavam caminhos solitários pela janela embaçada”.
Revisão é essencial (novamente!)
Assim como dissemos que deve ser com a narração, a releitura é essencial também para polir as suas descrições. Às vezes, menos é mais. Se uma descrição está muito longa ou não adiciona valor à história, considere encurtá-la ou ajustá-la para servir à narrativa.
Conclusão
Para concluirmos este artigo, vamos fazer uma analogia: visualize a narração e a descrição como se fossem dois indivíduos construindo um jardim suspenso. A narração é o profissional responsável por erguer os pilares e criar toda a estrutura do jardim; a descrição é o profissional que cultiva esse jardim com lindas flores e plantas ornamentais. Assim, a habilidade do escritor está em saber quando “construir” e quando “cultivar” nesse “espaço” onde o leitor pode se divertir, fazer reflexões ou se perder em maravilhamento.
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