Como aprimorar textos narrativos? Devido à nossa obsessão por novidades, muitas vezes perdemos contato com verdadeiros tesouros do passado. Então, no artigo de hoje, resgataremos um autor que dispensa grandes apresentações. Esse homem extraordinário, cuja filosofia teve tanta influência em nossa civilização, foi aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande.
Quando o assunto é a arte de escrever bem, dificilmente uma fonte pode ser considerada mais clássica que A Poética, de Aristóteles. Essa é a possível primeira obra de teoria literária de nossa era.
Por isso, se você tem interesse em aprimorar os seus textos, melhorar o enredo de suas histórias e aumentar o impacto dramático de suas cenas, A Poética é para você. Essa leitura pode representar um verdadeiro manancial de oportunidades para alcançar seus objetivos. Assim, separamos duas dicas quentes de Aristóteles sobre a arte de escrever histórias. Ele as produziu pensando principalmente na tragédia grega, mas poderiam muito bem constar em algum manual de redação para cinema ou tevê.
1. Mantenha só o fundamental para a unidade da ação
Um dos maiores desafios do escritor — e também de todo ser humano — é livrar-se do apego.
Que autor nunca sentiu pena de cortar aquela cena tão interessante? Ou aquele personagem tão desafiador? Ou até mesmo um capítulo inteiro de sua história? Ainda mais depois de ter tanto trabalho justamente na parte que é preciso cortar…
Nessas horas, vale muito a pena recorrer à sabedoria de Aristóteles. A unidade de ação da história é uma técnica fundamental para a resolver conflitos como esse.
Assim falou Aristóteles: “Aquilo cuja presença ou ausência não traz alteração sensível não faz parte nenhuma do todo.”
Aristóteles definiu a unidade de ação como um dos fatores fundamentais de uma boa história. Esse conceito representa o encadeamento das ações (situações ou episódios da narrativa). De tal forma, cada ação decorre da anterior e gera a seguinte. Onde há unidade de ação, nada sobra e nada falta.
O que não se deve manter?
Para aprimorar seus textos narrativos, você pode fazer um teste muito simples para descobrir se uma parte da história deve ou não ser cortada. Experimente suprimir essa parte. Se a história continuar funcionando, é porque a parte não pertence à unidade de ação.
Como perceber se algo ainda deve ser inserido?
O contrário também pode acontecer, mesmo que raramente. O escritor pode ter dificuldade em perceber se algo está faltando na história. A solução para isso — e para muitos outros problemas graves — é revisar o texto muitas vezes.
Nesse caso específico, a ajuda de um leitor beta pode ser útil. Isto é, uma pessoa para ler e opinar sobre a história. Além disso, o trabalho aprimorado de um profissional de revisão é muito bem-vindo para identificar falhas deste tipo e de muitos outros.
2. Evite as históricas episódicas
Ao analisar os diferentes tipos de histórias, Aristóteles chegou à conclusão de que o tipo mais fraco de história é o que ele chama de “episódico”:
“Chamo episódica aquela em que a sucessão dos episódios não decorre nem da verossimilhança nem da necessidade.”
No tempo de Aristóteles, surgiu a expressão Deus ex machina. Seu significado literal é “Deus surgido da máquina”. Isso se refere o momento de uma peça teatral em que, diante de um problema aparentemente sem solução, descia no palco um deus (geralmente içado por uma espécie de grua) para resolver o conflito.
Com o passar do tempo, Deus ex machina passou a indicar qualquer solução forçada ou mirabolante em uma história.
Escrever, ensina o filósofo, é a arte de imitar a vida. Desse modo, quanto mais verossimilhança e necessidade houver em uma história, mais impactante e capaz de despertar emoções ela será.
Para entender a verossimilhança e a necessidade
Podemos considerar a verossimilhança em uma história como o poder de convencer. É o atributo mais importante, sem o qual não pode existir uma boa história. Alguns podem objetar que a vida, com muita frequência, é inverossímil. Exatamente. Só que a vida não está preocupada em convencer ninguém. Esta é uma obrigação exclusiva da ficção. Tanto é que quando algo fora do comum e difícil de acreditar acontece, na vida real, isso gera assombro e até deslumbramento.
Contudo, para a ficção, isso gera decepção. Diante de uma cena inverossímil, o leitor se sente “arrancado” de dentro da história, pois seu caráter ilusório é desmascarado sem chances de redenção. E isso pode gerar uma experiência lastimável para o leitor.
Por isso, todo escritor deve se esforçar ao máximo para evitar a falta de verossimilhança! No entanto, isso não quer dizer que a ficção só deva tratar de acontecimentos corriqueiros. Muito pelo contrário. É possível abordar os temas mais fantásticos de forma convincente. Nisso consiste a fina arte da verossimilhança.
Já a necessidade é um conceito mais sutil e, ao mesmo tempo, autoexplicativo. Por isso mesmo, podemos considerar como necessidade tudo aquilo que não precisa ser justificado em uma história. Está ali porque é necessário e pronto.
Como aprimorar textos narrativos: Hamlet como exemplo de verossimilhança e necessidade
Um belo exemplo desses dois atributos está presente na cena de abertura do Hamlet, de Shakespeare.
É necessário para a história que o fantasma do pai de Hamlet apareça e denuncie o seu próprio assassinato. Isso porque sem uma evidência como essa, que filho ousaria suspeitar que a própria mãe é uma assassina?
Quanto à verossimilhança desta cena, que não tem nada de corriqueira, entra o gênio de Shakespeare. O sobrenatural possui uma aparência de natural pelo recurso da repetição: o fantasma aparece primeiro para um guarda, depois para um amigo de Hamlet. Por fim, até o próprio príncipe é chamado. Simples, genial e eficaz!
De fato, as contribuições de A Poética são preciosas para o desenvolvimento das narrativas. Desse modo, obedecendo aos critérios da verossimilhança e da necessidade, você jamais correrá o risco de abusar do Deus ex machina. E nem se limitará às histórias episódicas!
Queremos muito saber se você gostou dessas dicas aristotélicas de como aprimorar textos narrativos. Comenta aí embaixo. Seu comentário vai nos deixar muito felizes!
Muito legal!
Ouvir os antigos mestres da literatura é dever de todos que almejam refinar sua escrita.
Belas e valiosas dicas.
Obrigado.
Caro Marco Antonio! Somos gratos pelo seu comentário. Ainda mais porque você é um escritor. Sinta-se sempre em casa para colaborar com a sua participação!