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Vamos falar sobre produção literária. O tema escolhido para hoje é a crônica!

Neste post, comentaremos sobre as principais características deste gênero literário e, a partir delas, você descobrirá, entre outras coisas, por que a crônica é uma ótima sugestão para se iniciar no admirável mundo da leitura ou até mesmo na escrita.

Este tipo de narrativa geralmente é constituído por um texto curto, escrito para publicação em jornais ou periódicos (e, mais recentemente, em sites e blogs).

Observemos o exemplo a seguir, na crônica que Fabio Shiva concedeu à Mundo Escrito com exclusividade:

 

A Farmácia de Dona Raimunda

por Fabio Shiva

 

Nesse domingo, minha filha acordou com dor de ouvido. Vira e mexe ela tem dessas crises, por isso eu já sabia qual remédio comprar. A única dificuldade seria escolher a farmácia, dentre tantas disponíveis. Só na Dorival Caymmi, rua principal de Itapuã, são nada menos que 11. A média é uma farmácia a cada 50 metros, mais ou menos. Nosso povo deve andar muito doente, para precisar tanto assim de remédio.

Estava em meio a essas sombrias reflexões quando ouvi uma voz familiar chamando o meu nome. Era dona Raimunda, rezadeira famosa em toda Salvador, grande conhecedora de ervas e folhas e amiga de longa data. Apressei-me em beijar sua veneranda e enrugada mão:

– Benção, dona Raimunda.

– Deus lhe abençoe, meu filho. Mas me diga: tem alguma coisa apertando sua mente? Estou achando você meio macambúzio. – Pouca coisa escapava daqueles argutos olhinhos septuagenários.

Quando expliquei que eu estava decidindo em que farmácia comprar o remédio para a dor de ouvido de minha filha, ela fez um gesto de pouco caso:

– Que farmácia, o quê! Vamos ali na feira, que conheço um remédio bem melhor.

Cocei a cabeça, um tanto incrédulo:

– Será mesmo, dona Raimunda?

– É tiro e queda, meu filho. Basta um punhado de folhas da costa para curar qualquer dor de ouvido. Venha comigo.

Ela falava com tanta convicção, que me dispus a acompanhá-la. No caminho, foi me explicando o tratamento:

– Pegue uma folha da costa e esquente na tampa da panela, sabe como faz? Quando a folha começar a purgar umas bolhas, então coloque no ouvido da criança. Com umas poucas aplicações, ela vai ficar boazinha, você vai ver.

Logo chegamos à Feira de Itapuã. Organizadas no pátio da subprefeitura, as barracas rigorosamente alinhadas em colunas, cobertas com o mesmo toldo azul-cobalto, evidenciavam a tentativa de impor alguma ordem ao alegre caos normalmente reinante nas feiras. O elemento de bagunça persistia no zum zum zum dos feirantes apregoando suas mercadorias e dos fregueses pechinchando descontos.

Eu e minha guia passamos direto pela seção inicial da feira, onde são vendidas roupas vistosas e multicoloridas. Mas não chegamos até a parte dos fundos, onde ficam as barracas de frutos do mar e carnes do sertão. Ficamos na região intermediária, onde são mercadejados os legumes e as verduras, especialidades de dona Raimunda.

Fomos direto para as barracas de folhas, que exibiam uma profusão de tonalidades de verde, amontoadas em inebriante e cheirosa confusão. Ao menos para mim, pois dona Raimunda não demorou a localizar, naquela miscelânea, um maço de folhas ovaladas.

– Aqui está, meu filho: a folha da costa para sua filha.

– Quanto é? – perguntei ao feirante, já com a mão na carteira. Fiquei espantado ao saber que aquele montão de folhas custava apenas dois reais. O remédio que eu iria comprar na farmácia era pelo menos dez vezes mais caro.

– E isso porque estamos na cidade – atalhou a rezadeira. – Se fosse na roça, era só entrar no mato e pegar.

Lembrei-me da longa lista de remédios que costumávamos consumir lá em casa. Uma ideia irresistível aflorou em minha mente:

– Dona Raimunda, a senhora conhece um bom anti-inflamatório?

– Aqui está a aroeira, melhor não há. Faça um chá com as folhas e beba para ver.

– E para tratar erisipela?

– Folha de mamona. Esquente e aplique sobre a ferida.

– Dor nas articulações?

– Chá de canela de velho, meu filho.

– Dor de dente?

– Folha de malva. É só macerar em uma infusão e bochechar.

– E para a saúde da mulher?

– Banho de assento com mãe boa ou espinho cheiroso.

Saí da feira com duas sacolas cheias de folhas. Depois de agradecer muitíssimo a dona Raimunda, concluí:

– De um jeito ou de outro, todos os remédios da farmácia saem da natureza. Então acaba dando tudo na mesma, né?

Ela estrilou na mesma hora:

– Isso é que não, meu filho. Existe uma grande diferença entre o remédio da natureza e o da farmácia, pois o da farmácia sempre dá com uma mão e tira com a outra. Se é bom para o coração, prejudica os rins. Se ajuda os rins, ataca o estômago. Se cura o estômago, é ruim para o bolso.

Voltei para casa refletindo sobre a sabedoria daquelas palavras. Minha família, contudo, não ficou nem um pouco entusiasmada com minhas compras dominicais. A reação foi fria, para não dizer desconfiada: chegaram a sugerir que eu mesmo deveria consultar um médico, para que ele me receitasse algum remédio a fim de curar essa minha nova mania de folhas.

A dor de ouvido de minha filha, pelo menos, foi completamente curada.

– FIM DA CRÔNICA –

Origem da palavra crônica

 

A palavra crônica deriva do latim chronica (a partir do grego khronos, “tempo”) e originalmente indicava o relato de acontecimentos seguindo uma ordem temporal, ou seja, cronológica. Por isso, as crônicas possuem uma estrutura de tempo bem delimitada, sem o uso de recursos como o flashback, por exemplo.

 

Características do gênero crônica

 

As principais características da crônica são: a linguagem coloquial, o número reduzido de personagens (se houver) e a temática inspirada em assuntos do cotidiano.

A narração é geralmente em primeira pessoa, apresentada como uma conversa informal, em que o cronista conta uma sequência de fatos e reflexões para o leitor. Esta é a principal diferença entre a crônica e um texto jornalístico, que busca uma maior objetividade e impessoalidade. Assim como o repórter, o cronista faz o relato de acontecimentos diários, mas ele se permite expressar opiniões e até mesmo críticas a respeito dos fatos relatados.

Crônica Gênero

Em nosso exemplo acima, a enumeração da quantidade de farmácias na Avenida Dorival Caymmi ou a exposição das propriedades curativas de cada tipo de folha podem ser considerados relatos jornalísticos; mas as correlações entre esses dois fatos, com a crítica mais ou menos explícita sobre a eficácia e o preço alto dos remédios farmacêuticos, só podem existir no território da crônica.

Podemos considerar a crônica como um intermediário entre o jornalismo e a literatura, pois ela permite ainda a inserção de elementos como a ficção, a fantasia e o lirismo, assim como a ironia e o criticismo. O uso do humor é muito comum nas crônicas, enfatizando a leveza e a função de entretenimento do texto.

Pelo exposto até aqui, podemos perceber que a crônica é um tipo de texto mais simples e acessível e que, por esse motivo, é especialmente recomendada para iniciar pessoas que não gostam de ler ou que têm dificuldades para manter um hábito saudável de leitura.

Você que já pensou em se aventurar na carreira de escritor, mas ainda não deu o primeiro passo, que tal começar escrevendo uma crônica? A Equipe da Mundo Escrito estará à sua disposição para oferecer todo o suporte que você precisar.

 

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