Você sabe como seduzir com palavras? Qualquer pessoa que tenha tentado de forma consciente seduzir alguém — seja esse alguém o ser amado ou uma multidão anônima de leitores ou espectadores — sabe como as palavras são importantes no processo de sedução. No artigo de hoje, vamos dar dicas sobre alguns dos principais recursos que podem ser empregados, assim como sobre as principais armadilhas que devem ser evitadas no processo de seduzir por meio das palavras.
Uma vez que estamos abordando o uso da linguagem escrita ou oral para seduzir outras pessoas, é importante começarmos fazendo uma breve reflexão sobre os significados da palavra sedução. A etimologia dessa palavra é bastante curiosa: vem do latim seductio, que é formado pelo verbo ducere, “guiar, conduzir, portar”, acrescido do prefixo se, que indica “afastamento”. Assim, o sentido original de “seduzir” (seducere) é “afastar ou desviar”, estando implícito que se trata de uma ação vergonhosa, de “afastar do bom caminho” ou de “desviar do caminho da lealdade”. Na Idade Média, essa palavra era utilizada com o significado muito específico de “persuadir um vassalo a desertar de seus serviços e a renegar suas alianças”.
Por aí vemos que essa é uma palavra que nasceu carregada de fortes conotações pejorativas. Isso parece ter influenciado no sentido jurídico de “seduzir”, que é “induzir mulher (mais especificamente, com idade entre 14 e 18 anos) à prática de atos sexuais”. Curiosamente, em termos estritamente legais, “seduzir” ainda pode significar a ação de um capitão de navio ao aliciar marinheiros registrados em outro navio para virem trabalhar no seu. Aqui, vemos uma persistência da conotação medieval de “sedução”.
Por conta disso tudo, não é de se espantar que a palavra seduzir esteja ainda ligada a uma série de significados pouco recomendáveis: iludir, enganar, aliciar, desvirtuar, subornar, corromper. Contudo — e felizmente para nós, que desejamos nos aprimorar na arte de seduzir com palavras! — a modernidade veio trazendo conotações mais agradáveis para o verbo: cativar, fascinar, deslumbrar, influenciar ou atrair de modo irresistível. Certamente é nesse sentido que empregaremos a palavra daqui por diante.
Para dar um exemplo bastante contemporâneo, consideremos a expressão influenciador digital, que bem poderia ser substituída, no contexto que estamos propondo, por sedutor digital, ou seja, alguém que influencia, cativa, fascina e deslumbra nas redes sociais, valendo-se de vários recursos, sendo o principal deles o bom uso das palavras.
Romeu x Cyrano: duas formas de seduzir com palavras
A literatura mundial está repleta de belíssimas passagens que retratam o herói empregando o melhor de sua verve no esforço de seduzir sua amada — ou vice-versa. Talvez a mais famosa dessas cenas esteja no segundo ato da peça “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare, que mostra Romeu apaixonado lançando doces e encantadoras palavras de amor para Julieta, que, embevecida, o contempla de sua janela.
Algo nos chama de imediato a atenção nessa cena, que é indubitavelmente uma pérola literária de altíssimo esplendor. Não resta dúvida de que as palavras proferidas por Romeu estão entre as mais belas já escritas por uma mão humana, tendo sido o seu autor o inigualável Shakespeare, considerado por muitos como o melhor escritor de todos os tempos. Contudo cabe aqui a pergunta: são apenas as palavras de Romeu que seduzem Julieta?
Não podemos afirmar com toda confiança que sim. Afinal, Romeu é sempre retratado como um jovem muito bonito e atraente fisicamente, o mais belo e galante dentre os Montecchio, tradicional e respeitada família da nobreza de Verona. Talvez Romeu não tivesse conquistado Julieta sem o apaixonado discurso proferido diante da sacada da bela. Mas é quase certo que não foram somente as palavras de Romeu que seduziram Julieta!
Por isso é que surge como um interessante contraponto uma cena bastante parecida que ocorre na peça “Cyrano de Bergerac”, escrita pelo dramaturgo francês Edmond Rostand em 1897, exatamente 300 anos depois da primeira encenação de “Romeu e Julieta”. A donzela Roxane é alvo do afeto do jovem Cristiano, que, apesar de garboso, não possui a arte da oratória. Por isso, Cristiano pede ajuda ao seu amigo poeta, Cyrano de Bergerac, que secretamente também ama Roxane. Por ser muito feio (sendo geralmente retratado com um nariz bem avantajado), Cyrano não tem esperanças de conquistar Roxane e, portanto, decide ajudar o amigo.
E é assim que acontece essa deliciosa cena, que muito provavelmente foi concebida tendo a cena da sacada de “Romeu e Julieta” como referência. Cristiano põe-se sob a janela de Roxane e começa a declamar as palavras de amor ensinadas por Cyrano. Quando o jovem se atrapalha, o próprio poeta narigudo parte em seu auxílio e, oculto pelas sombras, faz um discurso irresistível, que deixa Roxane apaixonada… por Cristiano!
Tempos depois, acontece a revelação. Roxane percebe que começou amando Cristiano por sua beleza física, mas depois entendeu que amava, na verdade, a beleza interior do jovem, que era demonstrada justamente pelas palavras tão sensíveis que ele lhe dizia. É só então que a bela descobre que seu verdadeiro amado foi, durante todo esse tempo, ninguém menos que o feioso Cyrano! E é por esse motivo que consideramos Cyrano de Bergerac o verdadeiro patrono literário da arte de seduzir com palavras.
Alguns detalhes biográficos tornam ainda mais interessante essa peça encantadora, que ganhou muitas adaptações para o cinema e para a tevê. A história foi inspirada na vida real de Hector Savinien de Cyrano de Bergerac, escritor e duelista francês que viveu no século XVII.
E o mais curioso é que a cena que acabamos de descrever também foi baseada em acontecimentos verídicos, só que, dessa vez, ocorridos com o próprio autor da peça, Edmond Rostand. Ele estava desfrutando de suas férias de verão quando conheceu um jovem apaixonado que pediu seu auxílio, pois não sabia como utilizar as palavras para seduzir sua amada. Rostand ensinou ao rapaz a arte da conquista, que consistia em uma mistura de poesia, reflexões e ditos espirituosos. Em pouco tempo, seu pupilo teve êxito em obter as boas graças da moça, o que convenceu Rostand a pôr em prática seu longo plano de escrever uma peça sobre Cyrano de Bergerac. A arte imita a vida… e a vida imita a arte!
Sapiofilia: a sedução da inteligência
Um fenômeno intimamente relacionado com a arte de seduzir com as palavras é a chamada sapiofilia ou sapiossexualidade, que consiste na atração sexual ou amorosa por pessoas inteligentes. Como a inteligência é percebida, principalmente, por meio das palavras, podemos dizer que o sapiossexual é alguém que se apaixona por belos discursos. Ou seja, alguém que se deixa seduzir pelas palavras!
Assim como elegemos Cyrano de Bergerac nosso patrono literário da sedução com palavras, pensamos que a sapiofilia estará bem representada na figura do filósofo francês Jean-Paul Sartre, autor de clássicos do existencialismo como “A Náusea” e “O Ser e o Nada”. Baixinho, gorducho e estrábico, Sartre dificilmente seria considerado um homem fisicamente bonito. Mas o seu carisma e a sua habilidade no uso das palavras lhe granjearam a fama de grande sedutor.
Escrever bem é seduzir com palavras
Essa é uma definição tão boa quanto qualquer outra da arte e do ofício da escrita: “escrever é seduzir com palavras”. Seja redigindo ficção, poesia, um discurso político, um press-release ou mesmo o roteiro para um vídeo no YouTube, todo escritor tem como meta maior cativar, deslumbrar e influenciar seu público. Ou, em uma palavra: seduzir.
Isso nós já sabemos. Mas como colocar esse conhecimento em prática? Como escrever de forma a seduzir o leitor ou o espectador?
Encontrar respostas satisfatórias para essas perguntas, de uma forma ou de outra, faz parte da jornada essencial do escritor. Por isso é que guardamos o melhor para o final, apresentando para você que escreve alguns elementos que podem ajudá-lo a tornar os seus textos cada vez mais sedutores.
Às vezes, para responder a uma pergunta, precisamos formular outras perguntas. Assim, indagamos: o que torna um texto sedutor?
Que tal ponderarmos sobre essa pergunta durante os próximos dias, mantendo-a ativa em sua mente ao ler textos diversos. Sem querer estragar a surpresa dessa aventura, vamos propor uma ou duas reflexões que podem ajudá-lo a descobrir o que caracteriza a sedução de um texto.
A primeira delas é justamente o questionamento a um critério bastante difundido, segundo o qual um texto “sedutor”, ou seja, um texto bem escrito, necessariamente precisa seguir determinados padrões da norma culta e de estilo. De acordo com esse critério, que no fundo não passa de um preconceito, de uma opinião preconcebida que aceitamos sem questionar, existe um texto que pode ser considerado “literário”, ou seja, “sedutor”, enquanto outro texto, que foge a esse critério, seria desprovido da capacidade de seduzir.
O grande erro dessa abordagem é supor que todas as pessoas são seduzidas da mesma forma, ou, para nos atermos ao tema de nosso artigo, que todas as pessoas são seduzidas pelas mesmas palavras. Nada mais distante da verdade. Se assim fosse, todos gostariam ou desgostariam dos mesmos textos, invariavelmente. E sabemos que não é o que acontece. Só para citar um único exemplo dentre tantos possíveis, o romance “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez, é considerado uma obra-prima da literatura mundial por alguns e, por outros, uma leitura enfadonha e interminável.
Não somente a alta literatura é capaz de seduzir com palavras. Todo best-seller pode e deve ser considerado um sucesso também no quesito da sedução. Às vezes um texto escrito de forma direta, sem grandes rebuscamentos, é a forma mais eficaz de chegar ao coração do leitor.
A beleza está no olhar de quem vê, assim como a sedução com palavras está nos olhos e nos ouvidos de quem lê ou de quem escuta. Para saber se um texto seu será ou não capaz de seduzir o leitor ou o espectador, é crucial que você primeiro identifique com quem está falando. Quem é o seu público? Quem você pretende seduzir?
Ao responder a essas e a outras perguntas semelhantes, você certamente estará aprimorando sua capacidade de se tornar um autêntico Don Juan — ou uma verdadeira Cleópatra — das letras!
Muito bom o texto, gostei muito
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