Receber e prender o leitor… Até mesmo redatores experientes negligenciam o fato de que, no texto, assim como no corpo humano, cada parte exerce uma função essencial. Desse modo, os mínimos detalhes contribuem para que a mensagem fique redonda e atinja o seu objetivo.
Essa negligência me fala um pouco sobre certa dificuldade de delegar tarefas na hora de escrever. No entanto, quando se tem essa postura democrática, título, lead, corpo do texto, conclusão, cada qual assume e desempenha o seu papel.
Texto é para ser orquestra que toca e envolve pela harmonia dos sons que produz.
Aqui estou falando de coisas decisivas, tais como receber e prender o leitor e levá-lo para uma conversa mais longa, a fim de que se estabeleça o diálogo.
O lide: um poderoso recurso para receber e prender o leitor
Tempos atrás, lendo algumas edições do respeitado The New York Times, me dei conta da maneira como, em geral, as matérias abrem suas portas para o leitor. Logo nas primeiras frases, o interlocutor era levado a pensar que iria ler um texto literário – um conto, talvez – e não um trabalho essencialmente jornalístico, informativo, de não ficção.
É o lead (ou lide, em português) cumprindo o seu papel de receber e prender o leitor. Esse primeiro parágrafo, resumo do texto, trabalha para conduzir o leitor para dentro dele. O recurso une forças com o título, que vem antes, a quem o mago da propaganda, David Ogilvy, também atribuiu a mesma tarefa. Uma dupla especializada na recepção do leitor e empenhada em fazer com que, lá dentro, ele viva uma experiência de conforto, enquanto se informa.
Também por isso, o clássico jornal americano equivale a uma escola ambulante de jornalismo e estilo. Quem trafega pelas suas páginas com olho de aprendiz, sempre chega a novos conhecimentos e descobre um jeito novo de executar velhas práticas de criação e escrita. Foi ele, por exemplo, que a certa altura ministrou à sua equipe uma aula segundo a qual toda notícia, para ser completa, deve responder às perguntas o que, quem, como, quando, onde e por que.
Particularmente, tenho boas razões para falar da minha apreciação pelo jornal, embora não esteja aqui para exaltar os atributos da mídia — isso não é um anúncio. O que me interessa, agora, é o que se pode aprender com a sua leitura, quando o objetivo é conviver com alguns bruxos da escrita, artesãos que operam maravilhas com o uso da palavra e me fascinam.
O que diz a literatura jornalística — dois exemplos
A propósito do lide, o Novo Manual da Redação, do jornal Folha de S. Paulo, lembra que “O jornalismo usa o termo para resumir a função do primeiro parágrafo: introduzir o leitor no texto e prender sua atenção.”
No seu livro Como escrever bem: manual americano de escrita jornalística e de não ficção, William Zinsser lembra que “A frase mais importante de qualquer texto é a primeira. Se ela não levar o leitor a avançar para a segunda frase, o seu artigo estará morto. E, se a segunda frase não o levar a passar para a terceira, o texto também estará morto. É a partir da progressão dessas fases, com cada uma empurrando o leitor para a seguinte, até que ele seja fisgado, que o escritor forma esse elemento decisivo: o ‘lide’”. Então, para se atingir esse objetivo e receber e prender o leitor, o Manual recomenda:
“Na Folha, o lide noticioso deve: a) Sintetizar a notícia de modo tão eficaz que o leitor se sinta informado só com a leitura do primeiro parágrafo do texto; b) ser tão conciso quanto possível. Procure não ultrapassar cinco linhas de 70 toques…; c) Ser redigido de preferência na ordem direta (sujeito, verbo e predicado).”
Da mesma forma, Zinsser adverte:
“Mas aconselho-o a não imaginar que o leitor ficará ali por muito tempo. Os leitores querem saber, rapidamente, o que encontrarão que seja de seu interesse. Por isso, o seu lide deve ser capaz de capturar o leitor imediatamente e levá-lo a prosseguir na leitura. Deve agradar-lhe com o frescor do texto, com alguma novidade, algum paradoxo, pelo humor, pela surpresa, por uma ideia incomum, um fato interessante ou uma pergunta. Tudo pode funcionar, desde que atice a curiosidade e atraia a atenção.”
O Manual olha novamente para a produção do lead e de todo o texto com o intuito de receber e prender o leitor:
“O caráter condutor do lide se aplica para quem lê e para quem escreve. Se ao produzir um texto você não avança, fica preso nos primeiros parágrafos, é muito provável que o problema esteja no lide – ele o conduziu a um caminho errado de estrutura de texto. Você não consegue mais escrever. O leitor, possivelmente, não conseguirá mais ler. Nesses casos, o melhor é refazer o lide.”
O texto bem amarrado é um convite ao leitor
A sensação que tenho, ao ser recebido por um lead que, graciosamente parece me oferecer uma porção de literatura sem que nada tenha prometido, e quando me contentaria com fatos narrados em preto e branco, é de viver uma acolhida calorosa, humana, coisa de amigo.
Então me vem a certeza de que o autor do texto é mais do que um técnico que brinca com palavras. Para mim, sei que estou diante de uma criatura gentil. Gente que sabe receber e prender o leitor porque o agrada e é grato àquele que dedica seu tempo a apreciar o seu trabalho.
Por isso, aceito o convite. Sigo com ele para dentro do texto. Experimento cada palavra e toda nova informação que me oferecer até que cheguemos à última frase. Sem resistência, porque sei que não trafego por um campo minado.
O miolo do texto amplia e comprova tudo o que foi dito no título e no lead, respectivamente. E o último parágrafo, conhecido como conclusão, revisita toda a conversa e amarra o pensamento com uma síntese da ideia desenvolvida em todo o trabalho.
Para você receber e prender o leitor
Por fim, deixo um convite e faço uma provocação para você, caro leitor, prezada leitora deste site: quando for escrever seu próximo texto, esqueça um pouco a ideia de provar que domina todas as técnicas. Talvez essa sua habilidade já seja devidamente conhecida pela maioria, e novamente está sendo mostrada pelo simples fato de você ter produzido mais um trabalho escrito.
Então, se você quer receber e prender o leitor, além da técnica, prove, nas entrelinhas, que seu virtuosismo vai além desse domínio. Deixe visível que ele se destaca pela capacidade de envolver, estabelecer conexão, dialogar com os valores e sentimentos mais importantes de quem se alimenta das suas ideias, expressas em palavras. Delegue poder a cada parte do seu trabalho.
No final, receber e prender o leitor é o que conta. E tudo, naturalmente, começa com uma boa acolhida e uma discussão consistente do tema. Esse é o caminho mais curto e fluente nessa viagem que espera por uma conclusão capaz de validar cada palavra.
Assim.