Hoje temos a honra e o prazer de compartilhar uma entrevista muito especial com o vencedor do Prêmio SESC de Literatura 2019, na categoria Contos. Estamos falando de João Gabriel Paulsen, um jovem de apenas 19 anos de idade.
O Prêmio SESC de Literatura teve um recorde de inscrições este ano; foram 1969 inscritos, sendo 1043 livros de Romances e 926 livros de Contos. Assim, temos mais um motivo para festejar essa entrevista!
Aliás, há ainda outro grande motivo para festejarmos: entrevistamos também o Felipe Holloway, vencedor do mesmo Concurso, na categoria Romance. Mas, vamos por partes! A entrevista da vez é com o João Gabriel. Depois desta, aí sim, veja também a entrevista do Felipe Holloway. Enjoy!
– INÍCIO DA ENTREVISTA –
MUNDO ESCRITO (ME): Como e por que você começou a escrever?
JOÃO GABRIEL PAULSEN: Comecei a escrever principalmente porque li muito, o acúmulo de reflexões proporcionado pela leitura foi fundamental para mim. Mas também comecei a escrever porque vivi muito, porque observei muito, porque escutei muito… Tenho a convicção de que um escritor se forma tanto através daquilo que escreve, através da prática literária, quanto através daquilo que absorve.
ME: Para você, o que é considerado um bom conto?
JOÃO GABRIEL PAULSEN: Acredito que um bom conto, assim como um bom romance ou um bom poema, coloca sempre o leitor diante do insólito, do inesperado e do espanto. Mesmo histórias de personagens absurdamente (absurdamente mesmo) cotidianos, como Rumo ao Farol ou Ulisses, nos colocam frente a frente com uma espécie de estranhamento que, creio eu, é essencial para o deleite proporcionado pela literatura.
ME: Quem são os contistas cujo trabalho você admira?
JOÃO GABRIEL PAULSEN: Caio Fernando Abreu, Clarice Lispector, Edgar Allan Poe, Jorge Luis Borges e Sartre são os nomes de que me recordo. Meu contato com contos é significativamente menor do que com romances.
ME: As pessoas estão cada vez com menos tempo para ler textos longos ou que exijam interpretações mais profundas. Como fica a produção literária neste contexto?
JOÃO GABRIEL PAULSEN: Quanto ao conteúdo, não acredito que a literatura deva ajustar-se às demandas de um mercado consumidor cada vez mais preguiçoso e, em certa medida, covarde (porque fugir de interpretações “profundas”, ou de textos complexos, é covardia). Ler é arriscar-se. Gostaria de que as instituições de ensino, principalmente de ensino básico, fundamental e médio, formassem bons leitores, capazes de atenção e de coragem para aventurarem-se por baixo dos símbolos. Por fim, acredito sim que a literatura deva apropriar-se dos novos espaços, tornar-se mais presente, mais democrática e reivindicar, através dos próprios suportes digitais, o tempo que lhe é roubado pelos meios de comunicação que tanto nos atormentam hoje em dia.
ME: Com as redes sociais, há uma maior aproximação do escritor com seu público? Você tem contato com seus leitores?
JOÃO GABRIEL PAULSEN: Talvez haja, mas é um contato um tanto quanto superficial. Eu costumava divulgar alguns textos pelas redes sociais e a minha sensação era de que ninguém lia aquilo com seriedade. Não sei se o Facebook, por exemplo, é uma plataforma muito adequada para a publicação de textos literários, tudo se torna corriqueiro demais e o retorno que os leitores dão ao autor é, consequentemente, extremamente limitado e insatisfatório.
ME: Para você, o que representa ser um escritor tão jovem a receber o Prêmio Sesc de Literatura?
JOÃO GABRIEL PAULSEN: Façanha semelhante já havia sido conquistada antes pela Luisa Geisler, que também venceu com dezenove anos e é hoje uma escritora bastante conhecida e reconhecida. Ter vencido o Prêmio Sesc antes dos vinte representa para mim, como deve ter representado para ela, uma oportunidade tremenda de me enveredar desde cedo pelas sendas tão estreitas do sucesso artístico e cultural, que é, hoje, uma das principais coisas que me move.
ME: Em “O Doce e o Amargo”, há um fio condutor ou temas recorrentes entre os contos do livro?
JOÃO GABRIEL PAULSEN: Talvez a produção desses contos tenha um fio condutor, que é a experiência pessoal e íntima. Às vezes até me assusto de ter colocado tanto de mim no livro. Mas o resultado, os contos prontos, acredito que tratem de muitos temas e sejam histórias desconexas. Amor, ódio, paixão, prazer, dor, está tudo lá e por todas as partes. Existem, claro, algumas passagens que revelam uma proximidade entre cada uma das narrativas, mas não sei até onde vai tal proximidade. A verdade é que eu não faço muita ideia do que produzi… Espero ter um retorno dos leitores quanto ao tema (ou aos temas) de que trato, estou curioso para saber do que e sobre o que escrevi.
ME: Por que a escolha do título, que traz os opostos “doce” e “amargo”?
JOÃO GABRIEL PAULSEN: Acho que o contraste entre o doce e o amargo caracteriza muito bem a confusão quase caleidoscópica de contrários que tece a “malha narrativa” de cada um dos contos e do livro todo. Além do mais, é bonito de falar e de ouvir… o doce e o amargo, o doce e o amargo, o doce e o amargo…
ME: Ao escrever, é comum trabalharmos com nossas questões interiores profundas e, muitas vezes, irmos ao lado escuro do nosso ser. Como é esse processo para você?
JOÃO GABRIEL PAULSEN: Escrever prosa costuma ser desagradável. É um negócio parecido com vomitar, um exorcismo, sei lá. Com poesia é diferente, é mais divertido, parece mais um jogo de quebra-cabeças do que um ritual maluco de purificação. Mas, como eu disse, quanto à prosa, sou da classe daqueles que dizem que odeiam escrever, mas que escrevem porque têm que escrever. Não sei se existe um “dark side” de mim mesmo ou um eu profundo e atormentado que precisa ser tratado através da arte, mas certamente existe um “side” que precisa se tornar público para não se tornar incômodo. No fim das contas, para não dizerem (com razão) que eu odeio escrever, digo que é até legal quando sai coisa boa, quando escrevo alguma coisa que me agrada, mas só depois de pronto.
ME: Além de “O Doce e o Amargo”, que é um livro de contos, você produz outros tipos de texto, como poesia, romance…?
JOÃO GABRIEL PAULSEN: Poesia e alguns poucos ensaios. O livro até tem alguns poemas. Gostaria de tentar um romance.
ME: Como é seu processo de escrita, você tem algum método, manias, rotina…?
JOÃO GABRIEL PAULSEN: É tudo muito natural, sou preguiçoso demais para me colocar regras e pouco religioso demais para inventar rituais. Meu método é ficar encucado com uma ideia até não ter alternativa, senão escrever.
ME: Quais os seus futuros projetos?
JOÃO GABRIEL PAULSEN: Não sei, estou um pouco perdido ainda. Espero seguir os meus estudos em filosofia e talvez ingressar num curso de psicologia. Quanto à literatura, se tudo der certo, se uma ideia grudar em mim e se eu conseguir inventar tempo, pretendo escrever uma história mais longa, um romance, talvez.
ME: O mercado literário dá espaço e incentivo para novos escritores no Brasil?
JOÃO GABRIEL PAULSEN: É complicado falar disso, sobretudo para mim, que não tinha a pretensão de publicar nada tão cedo (sintoma do desestímulo por parte do mercado?) e que estou publicando meu primeiro livro agora. O certo é que é extremamente difícil acessar o mercado editorial da forma como é possível, a partir de um prêmio Sesc, e sou muito grato à editora Record e ao Sesc por me proporcionarem tal oportunidade.
ME: Você pretende viver de literatura?
JOÃO GABRIEL PAULSEN: Tarefa meio heroica, viver de literatura. Mas espero ter um retorno com as minhas publicações. Meu desejo é trabalhar em alguma área relacionada à leitura e à escrita, mas não especificamente trabalhar com a literatura. Só o futuro poderá me dizer como ganhar a vida…
– FIM DA ENTREVISTA –
Esperamos que, com essa preciosa e sincera entrevista de João Gabriel, você tenha se inspirado. Percebemos nela o registro de um jovem que lança a sua alma transparente entre as capas de um livro, o mesmo jovem que, quer estudando, quer sobre as manobras do seu skate, conseguiu sonhar e realizar essa façanha, vencendo o Prêmio SESC de Literatura 2019.
Deixe abaixo o seu comentário dizendo em que ponto mais se inspirou nessa entrevista. E não se esqueça de ver a entrevista do Felipe Holloway. Quer ser avisado sempre que postarmos um novo conteúdo aqui no blog? Cadastre o seu email aí abaixo. 😉
”Quanto ao conteúdo, não acredito que a literatura deva ajustar-se às demandas de um mercado consumidor cada vez mais preguiçoso e, em certa medida, covarde (porque fugir de interpretações “profundas”, ou de textos complexos, é covardia).”
Petulância literária millenial
Olá, Antonio Queiróz. Acabei de ler essa linda entrevista e me inspirei muito. E logo após a leitura de todo o texto, como sempre faço, procurei ler também os comentários. Encontrei apenas o seu e fiquei um pouco sentida, pois, em meio a tanta sensibilidade do jovem Gabriel, em meio a tanta reflexão genuína, você apenas destacou uma pequena frase que, talvez, não tenha expressado bem a sua intenção. Veja que ele não está falando das pessoas, mas, sim, de um mercado consumidor. E é verdade! O mercado literário tem sido, assim como a TV, até certo ponto, vulgar. Obras lindas deixam de ser publicadas em detrimento de outras que “dão mais lucro”. Cortesmente, despeço-me deixando aqui essa minha resposta ao seu comentário.