Com foco em colocação pronominal, este artigo compõe a primeira parte da série “Os erros mais frequentes na revisão de textos em língua portuguesa”. Essa série tem o objetivo de trazer mais esclarecimentos referentes aos erros que são apontados pelos revisores da Mundo Escrito nos balões de comentários. Caso ainda não tenha visto os artigos anteriores, nós, da Mundo Escrito, sugerimos que dê uma olhada em: Coesão Referencial, Regência Verbal e Regência Nominal.
Nessa série, os autores poderão compreender, de uma forma mais detalhada, por que erraram e, ainda mais, quais são as maneiras corretas de reestruturar os trechos problemáticos dentro de sua obra e, assim, evitar futuros erros.
Conforme um profissional de preparação ou revisão trabalha em um texto escrito em língua portuguesa, ele com frequência entra em contato com muitos erros cometidos pelos autores. Os erros mais frequentes na revisão de textos em língua portuguesa podem ser baseados em: ortografia; pontuação; acentuação gráfica; concordância verbal ou concordância nominal; sintaxe; regência verbal ou de regência nominal; coesão e coerência textual; entre outros.
Assim, nesta primeira parte, para começar a identificação dos erros mais frequentes na revisão de textos em língua portuguesa, focaremos a questão da colocação pronominal. Então vamos ver o que significa o termo “colocação pronominal”!
Colocação pronominal
Resumidamente, é a forma correta, segundo prescrições da Gramática Normativa, a ser empregada dentro de uma frase quanto à posição dos pronomes pessoais oblíquos átonos em relação ao verbo a que se referem.
Em Português, as questões atreladas à colocação pronominal se dão quando utilizamos os pronomes pessoais oblíquos átonos junto aos verbos — ou seja, pronomes oblíquos que não são precedidos de preposição e que são, portanto, clíticos, utilizados juntamente aos verbos.
Ao contrário dos pronomes pessoais do caso reto, os pronomes pessoais oblíquos não têm a função de sujeito dentro de uma oração, e sim a de complemento. Para relembrar, os pronomes pessoais oblíquos átonos são: me, te, se, o, os, a, as, lhe, lhes, nos e vos. Por exemplo:
- Não me contou nada.
- Vi-te na escola.
- Ele entregou-se à paixão.
- Ajudei-o na reforma do quarto.
- Ninguém os obrigou a trabalharem tanto.
- Amou-a como nunca amara outra moça.
- O perigo não as deteve.
- Quem lhe disse isso?
- O funcionário entregou-lhes suas respectivas encomendas.
- O patrão pagou-nos o salário no quinto dia útil.
- Não vos conformeis com pouco.
Posição dos pronomes na oração
Esses pronomes pessoais oblíquos átonos podem aparecer em uma oração ocupando três tipos de posições: proclítica, enclítica e mesoclítica. Na colocação pronominal proclítica, ou seja, na próclise, o pronome aparece antes do verbo. Já na colocação pronominal enclítica, ou seja, na ênclise, o pronome aparece depois do verbo. Por fim, na colocação pronominal mesoclítica, ou seja, na mesóclise, o pronome aparece no meio do verbo.
Para o emprego dos pronomes oblíquos átonos em cada uma dessas posições, há normas da língua portuguesa que prescrevem seus respectivos usos. Entretanto, é bem comum que essas normas não sejam respeitadas — e, na maioria das vezes, isso ocorre por falta de conhecimento dos autores, e não intencionalmente ou estilisticamente.
Abaixo, listaremos uma a uma, de modo sucinto, a fim de que os autores possam tirar dúvidas ocasionais relacionadas à colocação pronominal.
1. Próclise
A próclise é a colocação dos pronomes pessoais oblíquos átonos antes do verbo. A Gramática Normativa considera essa colocação pronominal obrigatória nos seguintes casos:
– Em orações que contenham palavras negativas. Por exemplo:
“Aqui não se discute religião.”
“Nunca lhes disse o que sentia.”
– Quando há pronome indefinido. Por exemplo:
“Alguém me assustou de propósito com o barulho.”
“Bastante se ouviu a respeito da nova pandemia.”
– Quando há pronome relativo. Por exemplo:
“O lugar para onde a levou era seguro.”
“Concordou com a ideia que te dei?”
– Quando há pronome interrogativo ou advérbio interrogativo. Por exemplo:
“Quem nos livrará de todo o mal?”
“Por que vos acomodais com a monotonia da vida?”
– Após um advérbio ou expressão adverbial sem vírgula. Por exemplo:
“Hoje se casaram pela manhã.”
“Talvez nos tenham dito uma mentira.”
– Em orações exclamativas e em orações optativas (aquelas que exprimem desejo). Por exemplo:
“Que Deus o livre da miséria, meu filho!”
“Como te pareces com a tua irmã!”
– Em orações com conjunções subordinativas, ocultas ou não. Por exemplo:
“Conforme lhe havia avisado, não comparecerei ao jogo mais tarde.”
“Quando se discute sobre o amor, não há fórmulas prontas.”
– Quando há algum verbo no gerúndio que é precedido da preposição “em”. Por exemplo:
“Em se tratando de Português, ela era especialista.”
2. Ênclise
A ênclise é a colocação dos pronomes pessoais oblíquos átonos depois do verbo. A Gramática Normativa considera essa colocação pronominal obrigatória nos seguintes casos:
– Quando verbos iniciam uma oração. Por exemplo:
“Surpreendeu–nos com uma rosa para cada mulher da equipe.”
“Fi–lo porque assim era necessário.”
– Quando o verbo estiver no infinitivo impessoal. Por exemplo:
“O seu maior medo é perder–se nos vícios da imoralidade.”
“Era a minha intenção difamar–te.”
– Quando o verbo estiver no imperativo afirmativo. Por exemplo:
“Após o intervalo, chamem–na imediatamente.”
“Amai–vos uns aos outros.”
– Quando o verbo estiver no gerúndio (sem a preposição em). Por exemplo:
“Estou conectando–me à minha rede social predileta.”
“Ele estava buscando–as, em vão, havia um longo tempo.”
3. Mesóclise
Por fim, a mesóclise é a colocação dos pronomes pessoais oblíquos átonos no meio do verbo. A Gramática Normativa permite tal colocação pronominal apenas em orações no Futuro do Presente e no Futuro do Pretérito. Assim sendo, ela se torna a posição preferencial, a não ser que existam palavras atrativas de próclise. Por exemplo:
“Julgar–te–ei culpado até que se prove o contrário.”
“Orgulhar–me–ia de meus feitos, caso tivesse sido honesta.”
Todavia, é importante frisar que muitas dessas regras prescritas pela Gramática Normativa não se aplicam mais à linguagem falada de nosso cotidiano, principalmente no Brasil. Em nosso país, há uma tendência muito forte para o uso da forma proclítica, sendo a forma enclítica a menos usual e a mesoclítica praticamente inexistente nos discursos orais — e até mesmo nos escritos. Assim, é claro, isso acaba refletindo na forma com que escrevemos nossos textos.
A colocação pronominal e o texto literário
Quando produzimos um texto não literário, geralmente devemos optar por respeitar as regras de colocação pronominal já estabelecidas. Entretanto, os textos literários permitem uma maior liberdade ao autor, que deverá exercer todo o seu poder criativo na hora de tomar decisões, de modo a escolher com sabedoria qual colocação pronominal se adequará melhor às frases pretendidas.
Desse modo, listamos 7 fatores que servirão como base para que o autor determine o seu estilo de colocação pronominal.
1. Narrador da história:
Se a obra tiver um narrador em primeira pessoa, será que este tem domínio total da norma prescritiva?
2. Época em que a narrativa se passa:
Se for uma narrativa contemporânea, a menos que exista uma justificativa plausível, não é cabível o uso de mesóclise, certo?
3. Grau de erudição das personagens nos momentos de diálogo:
Será que uma personagem de origem muito humilde, ou mesmo uma personagem bem-educada, mas não erudita, teria necessidade de sempre utilizar a colocação pronominal de forma adequada?
4. Ritmo pretendido pela narrativa:
Em obras brasileiras, devido à maneira com que falamos, a escolha de formas enclíticas e mesoclíticas pode deixar a leitura da narrativa mais truncada, dando a esta, consequentemente, um ritmo mais lento. Já a escolha de formas proclíticas, não raro, permite uma maior fluidez na leitura, dando à narrativa, consequentemente, um ritmo mais natural e, portanto, às vezes também mais acelerado.
5. Público-alvo almejado pelo autor:
Quanto mais erudito for o público-alvo almejado, mais a obra deverá respeitar, com parcimônia, as regras prescritas pela Gramática Normativa. Por isso, é especialmente importante prestar atenção na colocação pronominal na narração, se esta ocorrer em terceira pessoa.
6. Estilo próprio do autor:
Todo autor necessita encontrar a sua própria voz quando for narrar a sua história e quando for dar vida às suas personagens. Por isso, a sua intuição também conta muito no momento das tomadas de decisão.
Assim, é imprescindível que o autor leia e releia os trechos que foram escritos, a fim de encontrar, em cada um deles, verossimilhança com a realidade que tenciona retratar em sua obra, além da compatibilidade com o seu estilo de narrar, tentando sempre fugir do rebuscamento desnecessário e da coloquialidade extrema, sem um porquê evidente.
Portanto, todos os autores de obras literárias devem lembrar-se de que a colocação pronominal, adequada ou não à Gramática Normativa, é apenas uma pequena parte de uma maneira muito pessoal que cada um encontrará de se expressar artisticamente. Dessa forma, o certo nas obras literárias é aquilo que toca verdadeiramente os seus leitores; o errado é aquilo que não os comove, que não os inflama ou que não os faz refletir.
Nosso artigo sobre colocação pronominal contribuiu para resolver suas dúvidas identificando os erros mais frequentes na revisão de textos em língua portuguesa? Então deixe seu e-mail na coluna à direita e receba os próximos textos desta série.
Muito bom!
Que bom que gostou, Douglas! Você viu que ele faz parte de uma série?
Bom dia, oportuno os esclarecimentos lançados em sede de artigo no texto acima produzido (…).
Olá, Francisco! Grato pelo seu comentário. Ficamos sempre muito felizes a cada vez que recebemos um novo feedback. Sinta-se à vontade para voltar e comentar sempre que quiser. Você viu que ele faz parte de uma série? Assim, há outros artigos falando de “erros frequentes”.
Gostei muito. Gostaria de aprender mais.
De suma importância, a publicação do conteúdo, de vc de grande aproveitamento na nossa vida do dia a dia
Grato pelo comentário e incentivo, José Domingos!
Esclarecedor, de forma simples e didática! Gostaria de receber os demais textos da série.
Olá, José Ferreira!
Perfeitamente:
Aqui está o post que fala de Regência Nominal: https://mundoescrito.com.br/regencia-nominal/
E, aqui, o de Regência Verbal: https://mundoescrito.com.br/erros-frequentes-regencia-verbal/
Amei. Esclarecedor e de fácil assimilação.
Olá! Meu filho está no 4o ano do Ensino Fundamental I e, lendo um texto de narrativa de um índio criança na cidade, observei o início de uma frase com pronome oblíquo átono “me deu saudade”. Ao questionar a orientadora pedagógica sobre passar às crianças, que ainda não ingressaram no mundo da gramática portuguesa, texto com erro de gramática, esta respondeu que está adequado pois a literatura “é viva” em constante mutação. Com tuas observações, parece-me que o autor do livro pode fugir às regras. Pergunto: em vestibular e afins, não se perderá pontos neste sentido? fiquei mais confusa ainda.
Oi, Cintia! Seja bem-vinda e muito obrigado pelo seu comentário.
Sim, em textos que exigem uma adequação à Norma Padrão da Língua Portuguesa, ainda hoje seria um erro e, na correção, poderiam, sim, descontar pontos do aluno. No entanto, muitos linguistas defendem uma mudança no que tange à colocação pronominal no caso enclítico, alegando que a obrigatoriedade do pronome oblíquo em forma enclítica no início de frase é algo que faz mais parte do Português europeu do que do Português brasileiro.
Excelente! No entanto, tenho apenas uma observação a fazer: com relação à colocação pronominal em locuções verbais, quando o verbo principal estiver no infinitivo ou no gerúndio e não houver fator de próclise, a posição do pronome oblíquo pode ser depois do verbo auxiliar ou depois do verbo principal.
Olá, Jean! Somos gratos pelo seu comentário. Embora não tenhamos tratado no post da colocação pronominal em locuções verbais, seu comentário é pertinente e vem para agregar ao texto. As informações estão corretas e são uma adição às informações que passamos no post. Volte mais vezes!
Texto maravilhoso! Ajudou-me muito. Estou prestes a lançar um livro infantil e percebi que muitos dos pronomes oblíquos de minha história não seguiram as regras da gramática normativa, mas acredito que o texto fluiu bem. Esse artigo me ajudou muito. Obrigado.