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Quando escrevemos um texto literário (ou de outra natureza), uma de nossas principais preocupações – talvez a principal delas – é a de nos mantermos fiéis à norma padrão da língua. Mas será que essa preocupação deve mesmo estar presente em todas as produções textuais? Buscaremos uma resposta para essa questão neste artigo de hoje.

Desde o período escolar, ensinam-nos que um bom texto deve, primordialmente, conter uma escrita adequada às regras ortográficas, semânticas e sintáticas da Língua Portuguesa. Para tanto, existem várias prescrições gramaticais, baseadas em derivações de outras línguas que deram origem à nossa (como o latim e o grego, por exemplo), que normatizam o nosso idioma, fazendo com que este possa ser mais bem compreendido e interpretado tanto pelos falantes quanto pelos leitores.

No entanto, essa normatização nem sempre corresponde à pluralidade de possibilidades que uma mesma língua nos oferece e que, por sinal, encontramos presente em abundância dentro de um país de dimensões continentais, como é o caso do Brasil.

 

Objetividade versus subjetividade

 

Diferentemente de textos não literários (por exemplo: artigos acadêmicos, enciclopédias, notícias de jornais e revistas, manuais de instrução, cartas comerciais etc.), que têm por finalidade transmitir informações com um alto grau de objetividade, além de exprimir em si uma função utilitária e referencial, um texto literário possibilita uma liberdade criativa muito maior ao seu autor. Isso acontece porque um texto literário, ficcional, nem sempre se atém à objetividade, pois a subjetividade é também um elemento igualmente importante na sua composição.

 

A importância da subjetividade nos textos literários

 

O autor, por meio de suas próprias experiências de mundo, correlacionando também experiências das mais diversas pessoas com quem teve contato direto ou indireto ao longo da vida, recria em sua obra uma “realidade subjetiva”, que é real enquanto exprime sentimentos, emoções e pensamentos inerentes à psique humana.

Portanto, essa “realidade subjetiva” reflete uma realidade interior resultante de um intercâmbio com o mundo exterior, com o que os nossos sentidos, o nosso intelecto e o nosso emocional depreendem de tudo o que nos circunda e que, de alguma forma, comunica-se conosco, seja de maneira literal ou conotativa.

Assim sendo, um bom texto literário ultrapassa as barreiras da comunicação impessoal e imparcial, que é extremamente normatizada: elaborada desse modo justamente para que suas funções denotativas, tão essenciais nos textos não literários, jamais se percam.

Um texto de ficção, ou literário (como romances, novelas, contos, poemas, crônicas, peças teatrais etc.), é uma manifestação artística – e a arte, sabemos, pode e deve ser subversiva quando necessário for.

 

Domínio e adequação das normas linguísticas

 

Nesse sentido, subverter as normas linguísticas não significa ignorá-las ou menosprezá-las: pelo contrário, subvertê-las significa dominá-las com precisão, a ponto de utilizá-las com sabedoria, tendo ciência de quando e por que são importantes ou não em determinados contextos de uma obra, para que possamos ser senhores de nossa escrita, e não reféns de nossa própria língua.

Ao escrevermos uma obra literária, tornamo-nos reféns da língua a partir do momento em que a tratamos como uma estrutura engessada, mecânica e artificial, e não como o organismo vivo que ela é de fato, sempre se modificando e se reinventando – embora, por vezes, essas mudanças demorem a receber um status oficial, um reconhecimento padrão, dicionarizado.

 

Afinal, o que deve ser observado na revisão de textos literários?

 

Considerando os aspectos acima, o papel de um revisor, ao se deparar com uma obra literária submetida ao processo de revisão, consiste em identificar todas as peculiaridades relativas ao texto, levando em conta o seguinte:

1. o gênero literário no qual a obra se encaixa;

2. o modo de narrar do autor;

3. os diferentes contextos em que as personagens da narrativa se encontram e nos quais dialogam entre si;

4. as intenções do autor extrínsecas ao texto;

Ou seja, as intenções do autor que não estão relacionadas ao enredo, mas que têm um caráter externo ao desenvolvimento da narrativa; por exemplo, o público com o qual o autor deseja manter uma comunicação, agradar e, se possível, manter fidelizado em suas próximas publicações).

Há ainda mais um pormenor ao qual o revisor deverá se atentar, se for devidamente comunicado pela editora que irá publicar o livro (ou pelo autor que irá publicá-lo de modo independente):

5. as pretensões comerciais quanto à obra.

Toda obra literária é um produto artístico comercializável que deverá, idealmente, render frutos: seja um sucesso comercial, um sucesso em premiações literárias ou mesmo um sucesso despretensioso entre um determinado nicho de leitores.

Logo, por exemplo, se o autor deseja que a sua obra tenha mais chances de alcançar um sucesso comercial, o trabalho do revisor deverá se voltar para aproximar a linguagem da obra de uma linguagem mais popular, de uma linguagem mais coloquial, principalmente nos diálogos. Já se o autor almeja que a sua obra tenha mais chances de ser premiada em algum concurso literário, deverá informar ao revisor em qual (ou em quais) concurso(s) pretende inscrever o seu original, bem como quais são os critérios da(s) banca(s) que irá(ão) julgá-lo, para que a revisão corresponda melhor às expectativas.

Textos Literários - como são revisados?Cada um desses tópicos citados anteriormente influenciará a maneira com que o revisor conduzirá o trabalho de correção, dando base para que seja decidido:

  1. se ele apontará ou não outras alternativas para a estrutura da narrativa (que é composta, tradicionalmente, por apresentação, desenvolvimento, clímax e desfecho);
  2. se indicará possibilidades de adequação do enredo àquilo que o autor se propõe originalmente a entregar (um enredo linear, um enredo não linear, um enredo psicológico ou um enredo cronológico);
  3. se irá ou não sugestionar uma mudança do discurso utilizado na narrativa para os demais tipos de discursos possíveis, dependendo da proposta da obra (seja um discurso direto, seja um discurso indireto ou seja um discurso indireto livre);
  4. se será mais rígido ou menos rígido em relação ao uso da gramática normativa nas mais diversas situações ao longo da narrativa. Nesse caso, vale aprofundar a discussão e destacar os seguintes questionamentos:

Seria adequado e realista que uma das personagens do livro, como um pescador – um homem simples, que supomos nunca ter sido perito em língua portuguesa e que não tenha o hábito de usar formas gramaticais cultas –, se utilizasse de construções em seus diálogos que evocassem a algum tipo de erudição, sem que tal erudição ou que, ao menos, um acesso qualquer a um linguajar mais culto fossem convincentemente explicados no livro?

Ou ainda: será que seria apropriado e realista que uma obra voltada para o público infanto-juvenil fizesse, ao longo do texto, tanto nos diálogos quanto na narração, adequações de colocação pronominal de acordo com a norma padrão?

Obviamente, para ambas as perguntas, a resposta é não; pois, apesar de certas ocorrências serem prescritas pela Norma Padrão da Língua Portuguesa, é preciso, antes de tudo, prezar pela adequação dos elementos ao contexto.

 

Considerações finais

 

É evidente que a última palavra é sempre do autor da obra, já que o livro será uma propriedade intelectual sua, e não do revisor. Todavia, é também bastante relevante que o autor escute e pondere bem os conselhos de seu revisor, já que ambos estão ali trabalhando em equipe, em prol de um objetivo em comum.

A intenção de um bom revisor sempre será a de entregar um produto final de qualidade, que não seja simplesmente um mero texto bem escrito e bem revisado, compatível com todas as regras gramaticais prescritas pela Norma Padrão.

Preferencialmente, em uma revisão profissional de textos literários, o bom revisor preza por trabalho artístico coerente, significativo dentro daquilo que trata e, sobretudo, que se comunique com o leitor de modo a envolvê-lo e a encantá-lo. Assim, enquanto ele estiver lendo a obra, será imerso naquele microuniverso, a ponto de esquecer momentaneamente das fronteiras que separam a ficção da realidade.

 

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