Introdução
Por que ler os clássicos? À primeira vista, pode parecer que essa atividade seja ultrapassada e até desinteressante para os escritores de nossa geração. No entanto, a beleza literária e a importância histórica dos clássicos serão apenas a entrada do cardápio que poremos à mesa no post de hoje. Fique com a gente que já vamos servir.
Nesta “era” da ansiedade, quando novidade é frequentemente confundida com qualidade, prudência é seguir os passos dos grandes escritores.
Se você é um escritor experiente e quer dar um up em sua escrita, este post foi escrito para você. Seguindo uma abordagem cuidadosa, revelaremos por que ler os clássicos é uma prática enriquecedora, um passo pra lá de importante para aprimorar sua técnica, seu estilo e sua compreensão acerca da narrativa moderna. Fique com a gente e aproveite esta oportunidade para descobrir, nessas veneráveis obras, a maneira de transformar sua escrita de um modo que você nunca imaginou.
O Valor dos Clássicos na Literatura Moderna
Por que ler os clássicos é importante para a escrita contemporânea?
Há um grande livro que carrega o mesmo título do nosso post: “Por que ler os clássicos“, de Italo Calvino. Após a leitura deste artigo, caso queira se aprofundar no assunto, recomendamos fortemente a leitura do livro.
Neste post abordaremos os clássicos da literatura brasileira e compartilharemos alguns conselhos práticos para escritores. Já no livro Por que ler os clássicos, Calvino oferece uma perspectiva mais filosófica e mais ampla sobre o que constitui um clássico e por que eles são essenciais para qualquer leitor.
A leitura dos clássicos é indispensável para qualquer escritor, inclusive para os mais experientes. Não estamos falando de uma mera apreciação literária, mas de um estudo profundo que pode beneficiá-lo em múltiplos aspectos.
Primeiramente, os clássicos da literatura brasileira oferecem uma visão complexa e profunda da nossa sociedade e da nossa cultura. Machado de Assis (1839-1908), por exemplo, desafiou as convenções sociais e literárias de sua época, abrindo caminho para questionamentos e análises que continuam tão pertinentes quanto hoje. Seu entendimento da natureza humana e dos dilemas sociais oferece uma preciosa fonte de inspiração para os escritores de nossa geração.
Os clássicos podem atuar como uma espécie de guia técnico para a escrita. O rigor estilístico de José de Alencar (1829-1877) ou a economia de palavras de Graciliano Ramos (1892-1953) servem como excelentes exemplos de como diferentes técnicas podem ser empregadas para criar poderosas narrativas. Estudar como esses mestres manejavam a linguagem pode trazer insights valiosos para o aprimoramento da escrita contemporânea.
Mais ainda, os clássicos das literaturas brasileira e mundial oferecem temáticas e narrativas que podem ser adaptadas e muito bem aproveitadas pelos escritores de hoje. A adaptação inteligente dessas técnicas pode gerar trabalhos inovadores e, no entanto, bem enraizados em nossa tradição literária.
Benefícios para Escritores Experientes
Melhore suas técnicas e estilos com a leitura dos clássicos
A leitura correta de obras clássicas pode valer mais do que um curso intensivo de técnicas e de estilos literários. Muito se pode aprender com a profundidade psicológica de Machado de Assis, em “Dom Casmurro“, ou com o realismo cru de Graciliano Ramos em “Vidas Secas“. Isso é válido tanto para os escritores que querem elevar o nível de sua escrita quanto para os que ainda estão dando seus primeiros passos.
A razão pela qual a leitura dos clássicos pode beneficiar a técnica do escritor atual pode ser comparada à ideia de uma “roda” já criada pelos mestres da literatura.
Essa “roda” simboliza o conjunto de práticas, estilos e técnicas literárias que foram desenvolvidos, testados e aprimorados ao longo do tempo. Não é preciso reinventar essa roda; ela já existe e funciona muito bem. O escritor desta geração pode se beneficiar imensamente ao estudar como essa roda foi montada e quais são seus componentes fundamentais.
O escritor atento aos detalhes das obras clássicas, ao analisar a estrutura narrativa de Aluísio Azevedo (1857-1913) em “O Cortiço“, pode entender como a ambientação e os personagens são usados para discutir questões sociais mais amplas. Essa compreensão pode, por sua vez, inspirar e enriquecer a abordagem técnica de qualquer escritor moderno.
A mesma lógica se aplica ao estilo. Observando a obra de Manuel Bandeira (1886-1968), com sua simplicidade aparente mas carregada de simbolismo, e também a linguagem romântica de José de Alencar, vemos como esses autores oferecem modelos distintos que podem, bastando um pouco de habilidade, ser adaptados e incorporados ao repertório de um escritor. É justamente a partir da familiaridade com esses diferentes estilos que é possível fazer as escolhas e as adaptações mais acertadas para cada projeto literário.
Inspiração e inovação vindas dos clássicos
Se você realmente quer uma fonte de inspiração, leia os clássicos. De quebra, ainda aprenderá a fazer inovações. Clássicos não são testemunhos inertes do passado; de tão dinâmicos, eles conversam com o presente e até podem antecipar futuros potenciais.
Assim, o ato de ler uma obra clássica é, de certa forma, um diálogo com o autor em sua época. Ao fazer isso, os escritores de hoje têm a oportunidade de explorar temas universais que vêm resistindo à passagem do tempo. Obras como “Os Sertões” de Euclides da Cunha (1866-1909), por exemplo, discutem conflitos sociais e culturais que, ainda hoje, seguem atuais.
A inspiração servida por essas obras pode incluir ideias para temas, para enredos e para construções de narrativas. Clarice Lispector, com seu estilo introspectivo e quase filosófico, mostra como é possível aprofundar a análise dos personagens de uma maneira que ainda soa fresca e relevante. Mesmo 46 anos após a sua morte, escritores experientes podem se beneficiar desse olhar diferenciado e experimentá-lo em suas próprias criações, quiçá inaugurando novas tendências literárias.
Alguém pode pensar que os grandes mestres já fizeram tudo o que poderia ser feito na literatura. Mas esta seria uma visão limitada. Na verdade, cada época e cada escritor sempre trazem consigo o potencial para novas formas e novas interpretações. Desenvolva o seu potencial!
Superando as Barreiras: Como e Por Que Ler os Clássicos
Desmitificando medos e resistências
Alguns escritores experientes, apesar de reconhecerem o valor indiscutível dos clássicos, ainda resistem em sondar essas obras. A razão é frequentemente ancorada em certos medos e resistências infundados, como a preocupação de que a linguagem possa ser arcaica ou que os temas possam ser irrelevantes para o contexto atual.
Um dos medos mais comuns é o da inacessibilidade da linguagem. É verdade que escritores como Machado de Assis e Olavo Bilac empregavam uma forma de português que hoje pode parecer distante do nosso idioma. No entanto, um mergulho numa linguagem assim tão rica e diversificada, só favorece o enriquecimento do vocabulário e aumenta a expressividade do escritor. O esforço que se faz para compreender textos mais complexos funcionam como uma academia para a mente, deixando o leitor preparado para enfrentar desafios literários de maior envergadura.
Outra resistência comum é o receio de que os temas abordados nas obras clássicas sejam distantes ou irrelevantes. No entanto, ao examinar obras como “Triste Fim de Policarpo Quaresma“, de Lima Barreto (1881-1922), fica claro que muitas daquelas questões sociais e políticas discutidas ainda ressoam com força em nossos dias.
O avanço das tecnologias e das ciências tem sido fenomenal. Porém, a psicologia humana não tem mudando com a mesma rapidez. Podemos ver certos personagens dos clássicos como aqueles que aparecem em nossas redes sociais ou na TV!
Por fim, há também o temor de que o envolvimento com os clássicos possa de alguma forma limitar a criatividade, talvez impondo estruturas e estilos que limitem a expressão individual. No entanto, os escritores mais experientes encontram justamente o contrário: a familiaridade com as diferentes técnicas e estilos oferecidos pelos clássicos proporciona uma abertura para o desenvolvimento de obras originais e ainda mais impactantes.
Dicas e abordagens para os clássicos
Raphael Montes, um escritor contemporâneo muito conhecido e muito lido nos dias de hoje, em uma entrevista concedida à Mundo Escrito, disse:
Eu sou um autor muito influenciado por Machado de Assis e por alguns outros, como o Jorge Amado. O que eu gosto nesses autores, o que me faz ficar entusiasmado com as obras e com a influência que eles exercem, ainda hoje, é o fato de que, a meu ver, são escritores que unem uma boa trama, uma boa história, o que algumas pessoas chamam de maneira vulgar ou pejorativa de “entretenimento”, mas, ao mesmo tempo, com muito estilo, com uma qualidade literária inegável.
Portanto, devemos ler como fazem os grandes escritores contemporâneos; como faz o Raphael Montes. À primeira vista, ler os clássicos pode parecer uma tarefa árdua para quem está habituado a uma linguagem ou uma estética mais contemporânea. Porém, ler essas obras da maneira certa pode ser muito recompensador e fazer toda a diferença.
Primeiramente, é preciso saber fazer a escolha certa da edição do livro. Edições comentadas ou anotadas, por exemplo, fornecem contextos históricos e análises literárias que muito podem enriquecer a leitura.
Outro aspecto fundamental é a leitura ativa. É preciso não apenas consumir o texto, mas também “dialogar” com ele: tome notas, use um marca-texto e, se der, discuta as suas impressões com outros leitores. Estas são práticas que ampliam a compreensão e a absorção do material.
Em relação à linguagem, uma sugestão é não se apressar. Escritores como José de Alencar ou Gonçalves Dias (1823-1864) usam uma sintaxe e um vocabulário que podem requerer um ritmo de leitura mais ponderado. No entanto, essa mesma complexidade linguística pode ser uma fonte rica de aprendizado e de inspiração. Uma leitura cuidadosa permite uma maior compreensão do texto e, também, uma apreciação mais aprofundada da habilidade do autor.
Analisando Estilo e Técnica nos Clássicos
Por que ler os clássicos pode aprimorar a sua própria técnica?
Já dissemos que a leitura dos clássicos é um investimento inteligente para desenvolver as habilidades de escrita. Vamos fazer mais uma exploração, já que a leitura dessas obras pode servir também como um manual avançado de técnicas literárias.
Ao analisar a estrutura narrativa de “O Guarani” de José de Alencar, por exemplo, é possível perceber como os elementos da trama são habilmente armados para criar tensão e engajamento. Além disso, os recursos estilísticos utilizados pelo autor, como o emprego de descrições detalhadas e de diálogos bem construídos, servem quase como um laboratório para os escritores que estão interessados em aprimorar suas próprias técnicas.
Da mesma forma, ao se debruçar sobre os contos de Machado de Assis, um escritor contemporâneo pode aprender valiosas lições sobre a economia narrativa. A forma como Machado consegue desenvolver personagens complexos e tramas intricadas em um espaço tão limitado é um exemplo de mestria que pode ser aplicado em diversos formatos de escrita, desde o conto até o romance.
O mesmo vale para a riqueza dos diálogos encontrados em obras como “Os Sertões” de Euclides da Cunha. A habilidade de criar conversas realistas e significativas é algo fundamental para qualquer forma de narrativa; e estudar esses textos clássicos é uma forma objetiva de desenvolver essa habilidade.
Estudo de estilo em obras clássicas
A análise de estilos em obras clássicas é um exercício acadêmico que nutre e expande o seu próprio repertório. As escolhas estilísticas feitas por grandes autores, de metáforas a estruturas de frase, foram decisões conscientes que contribuíram para o impacto e a longevidade de suas obras.
A Prosopopeia” de Bento Teixeira (1561-1618), por exemplo, é uma obra que demonstra um domínio excepcional da forma poética, aplicando métricas e ritmos de maneira tão habilidosa que o texto é quase uma experiência auditiva — mesmo quando lido silenciosamente. Esse controle meticuloso, mesmo hoje, pode inspirar os escritores a fazerem inovação na estrutura e no ritmo de suas próprias obras.
Outro exemplo é “Vidas Secas” de Graciliano Ramos. Essa obra que utiliza uma linguagem árida e direta para refletir, respectivamente, a aridez do ambiente retratado e a dureza da vida dos personagens. Essa escolha estilística não é apenas uma característica superficial; ela é um elemento que integra a mensagem da obra e, também, uma estratégia narrativa que amplia o impacto do conteúdo.
O mesmo ocorre com Macunaíma, de Mário de Andrade (1893-1945). O autor utiliza uma variedade de estilos e técnicas para criar uma obra que é, ao mesmo tempo, um épico, uma comédia e uma crítica social. A fluidez com que Andrade transita entre estilos diferentes oferece uma lição valiosa sobre a flexibilidade estilística e, também, sobre a habilidade de adaptar a forma ao conteúdo.
Estratégias para fazer a integração das lições dos clássicos
Muitas estratégias podem ser empregadas para aplicar as lições dos clássicos. Uma delas é o mapeamento temático. Ao analisar uma obra como Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, você pode listar os temas e as motivações dos personagens para adaptá-los em suas próprias histórias.
Por exemplo, a crítica social presente no clássico pode ser adaptada para abordar questões contemporâneas como a desigualdade social ou o preconceito. Esta é uma forma prática que enfatiza por que ler os clássicos pode ser um recurso valioso para quem quer se tornar um escritor mais experiente.
Outra estratégia útil é a desconstrução da narrativa. Tomando O Guarani de José de Alencar como referência, é possível estudar a forma como seus personagens são construídos, como as reviravoltas são orquestradas e como os cenários são descritos. Posteriormente, esses elementos podem ser reorganizados de uma forma nova, alinhando-se com as tendências literárias atuais.
A técnica do espelhamento também é uma abordagem valiosa. Por exemplo, se um escritor contemporâneo está trabalhando em uma obra que lida com a moralidade humana, ele pode se espelhar na forma como Graciliano Ramos abordou este tema em “Vidas Secas“. Observando como o clássico lida com questões de certo e errado, você pode encontrar inspiração para abordar o tema de uma forma nova, ainda que com um fundamento clássico.
Também pode ser enriquecedor fazer um estudo comparativo entre personagens clássicos e modernos. Analisando, por exemplo, a complexidade dos personagens em Dom Casmurro, você pode refletir sobre como incorporar profundidade psicológica semelhante em suas próprias criações.
A integração dessas estratégias pode ajudá-lo a fundir o valor duradouro dos clássicos em suas próprias criações, agora mesmo!
Conclusão
O ato de escrever não é um fenômeno isolado, pois está conectado a uma tradição literária que se estende por séculos. A intenção deste post foi ressaltar que os clássicos são mais do que obras do passado. Ignorá-los é, de certa forma, como tentar criar uma linguagem nova sem a compreensão da gramática e do vocabulário que já existem.
Estudar os clássicos da literatura nos ajuda a compreender melhor a escrita do passado, enriquece nosso entendimento atual e influencia a escrita do futuro. As obras que são reconhecidas há tanto tempo são valiosas justamente por suas técnicas, por seus estilos e, também, por seus temas que são relevantes ainda hoje.
Por fim, agora chegou a sua vez, caro leitor. Assim como cada clássico tem a sua própria voz, certamente você também tem a sua. Partilhe algo conosco: Qual clássico transformou a sua forma de escrever ou de ler? E por quê?