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Voltamos trazendo mais um episódio de Perguntas e respostas avançadas sobre Escrita Criativa – Episódio 6. Quem formula a pergunta de hoje para que o Rubens Marchioni responda é a escritora Paula Giannini.

Ainda não viu os episódios anteriores? Fique à vontade para acessá-los: Episódio 1 (Fábio Shiva), Episódio 2 (Wlange Keindé), Episódio 3 (João Gabriel Paulsen) e Episódio 4 (Felipe Holloway) e Episódio 5 (Ricardo Labuto Gondim).

Conforme temos dito, a razão de darmos o título “Perguntas e respostas avançadas sobre Escrita Criativa” para esta série se deve ao fato de que todas as perguntas foram elaboradas por escritores profissionais e todas as respostas foram dadas por Rubens Marchioni, escritor expert no assunto Escrita Criativa, autor do livro Escrita Criativa – da ideia ao texto, publicado pela Editora Contexto.

Dito isto, vamos ao vídeo? A pergunta de Paula Giannini foi muito interessante – e igualmente interessante foi a resposta de Rubens Marchioni.

 

 

Como bônus, segue abaixo a transcrição do conteúdo do vídeo, realizada e editada pela nossa Equipe de Transcritores.

 

Pergunta de Paula Giannini

 

Paula Giannini - Escritora

 

Falando do formato da linguagem, o que você acha do hibridismo? O que você acha de uma linguagem híbrida, que mescle, por exemplo, como foi no meu caso já, contos com receitas? Você acha que esse experimentalismo é mais uma pirotecnia? O leitor quer boas histórias e isso para ele não importa, ou você acha que essa literalidade é um ganho em um texto? O que você acha?

 

 

 

Resposta de Rubens Marchioni

 

Rubens MarchioniOi, Paula. Você me pergunta sobre o hibridismo. Bom, se a gente pensar que a leitura é serviço, quando você escreve, você está prestando um serviço para o seu leitor. O hibridismo é um recurso criativo, é uma ferramenta a mais de que você dispõe para prestar esse serviço. Só por aí ele já se justifica. E aí quando pensamos em hibridismo, pensamos em conexões, e nós pensamos, de preferência, em conexões imprevisíveis, em estabelecer ligações imprevisíveis.

Eu lembro de uma frase fantástica do Ingmar Bergman, o cineasta, que ele diz o seguinte, é uma verdadeira aula de criatividade: “Eu tomo todas as minhas decisões baseadas na minha intuição. Eu lanço um dardo no escuro. Isso é intuição. E depois eu mando um exército recuperar esse dardo. Isso é intelecto”. Ou seja, ele lança um dardo em qualquer ponto do universo. Olha que maravilha! Ele acaba de transformar todo o universo em matéria-prima para criação. E depois ele pega aquele problema que ele pretende resolver e junta as duas coisas. Onde caiu o dardo e onde está o problema que ele pretende resolver.

Por exemplo, imagine que eu estivesse procurando uma colocação ou tentando uma promoção na empresa onde eu trabalho. Eu quero pedir uma oportunidade para ocupar esse espaço na empresa. Mas eu não quero mandar uma carta dizendo para o chefe do RH: “prezado senhor, venho por intermédio desta”. Então, eu lanço um dardo no escuro. Imagine que eu lance esse dardo e ele caia nessa árvore grande que eu tenho aqui perto da minha casa. A árvore, expectativa por uma vaga. Eu posso começar o meu texto dizendo “raízes profundas, tronco forte, facilidade para lançar galhos em todas as direções, principalmente as mais importantes. Esse sou eu. E eu estou preparado, portanto, para preencher essa vaga que existe na empresa, na condição de gerente comercial”, por exemplo. Eu fiz uma abordagem diferente. Na verdade, eu trabalhei com uma conexão. Eu fiz um hibridismo, se a gente quiser pensar dessa maneira.

A literatura hoje tem trabalhado bastante, eu tenho lido sobre isso, usando textos acadêmicos, usando às vezes dissertações de mestrado, que depois são romanceados. Então, você tem dissertação, tem trabalho acadêmico, que depois é romanceado para ser entregue para o leitor em forma de romance. Isso é uma forma de hibridismo, porque, quando você usa esses recursos, você enriquece o seu trabalho, e você tem a chance de entregar alguma coisa mais criativa, mais interessante. Pensa no seguinte. O seu leitor já sabe qual é a metade exata de oito. Se você perguntar para ele qual é a metade de oito, ele sabe, é quatro. Mas isso não tem nada de criativo. Qual é o seu papel como escritor? É entregar alguma coisa diferente. É tentar levar o leitor a se perguntar quais são as metades de oito, para ele descobrir na leitura do seu texto, e isso vai gerar encantamento: que as metades de oito podem ser oi, podem ser to, podem ser três, podem ser e, podem ser m, podem ser w. Tudo isso é metade de oito, tudo isso é possibilidade. Tudo isso são maneiras de você levar o seu leitor a enxergar um novo mundo, alguma coisa que, até então, talvez não tivesse sido mostrada, ou que ele tivesse esbarrado não sei quantas vezes e não tivesse se dado conta.

Então, para o leitor, o hibridismo é o acréscimo, uma forma de dar para ele algo mais rico, mais bonito, mais gostoso de ler. Uma vez um professor disse para a gente uma coisa que eu achei interessante. Nem sempre o seu texto precisa ser utilitário. Às vezes, o que ele tem de fazer é dar para o leitor a possibilidade de no final dar um sorriso. Olha que interessante. Dar ao leitor a experiência de no final pensar “que bom que alguém escreveu isso. Gostei de ler”.

Eu estava há pouco lendo algumas crônicas escritas pelo Mário Prata e publicadas no Estadão. Em algumas delas, eu terminei com um sorriso. Olha que sacada inteligente, que sacada interessante. Gostei de ter lido isso. E, como eu também escrevo, eu fiquei com a mesma experiência. Eu gostaria de ter escrito isso. Eu gostaria de ser um pouco Mário Prata. Foi uma experiência boa, que me fez bem.

Fazer mistura. Eu escrevi uma vez, e aí foi uma prática de hibridismo também, embora não tivesse pensado necessariamente nesse nome, um texto que tem a ver com o que estamos abordando aqui. Um médico oncologista fez uma pesquisa de campo junto às suas pacientes e ex-pacientes, e ele queria saber como andavam as coisas com elas. Ele fez um questionário de múltipla escolha, o distribuiu e deixou a última página do questionário em branco para que elas escrevessem suas respostas. O problema é que nem todo mundo tem essa facilidade para escrever, e apenas uma ou outra escreveu uma frase.

Quando eu recebi aquele material, a primeira reação foi: olha, não dá para transformar isso em livro. Eu não sei se consigo cumprir a tarefa para a qual você está me contratando. Não sei como fazer isso virar livro. Mas aí eu pensei: “tá, eu acho que eu sei. Eu vou transformar esses dados todos, esse monte de x em um romance”. Eu criei uma personagem e comecei a contar a história dela. Essa mulher era professora de biologia no ensino fundamental. Eu comecei a contar a história dessa mulher. Desde o momento em que ela está dando aula, ela começa a discutir o assunto em aula, e os assuntos começam a dar depoimentos, inclusive de pessoas da família, e ela começa a ligar os pontos e a perceber que aquilo que os alunos falavam sobre a tia, sobre a mãe, sobre gente conhecida, vizinha, tinha a ver com os sintomas que ela andava apresentando. E ela falou: “opa”. Saiu, passou por uma livraria, comprou um livrinho desses, assim, de 40 páginas, para começar a ter um primeiro contato, procurou um médico. E eu conto toda a trajetória dessa mulher, para quem eu criei um marido e dois filhos. O filho mais velho ficou meio sem função na história, eu tirei e deixei só a filha, que caminha com ela o tempo todo.

Quando ela termina todo o tratamento, ela volta a dar aula. E aí eu me perguntei: “bom, e todo o resultado da pesquisa, o que eu faço com ele? Já sei. Na escola onde ela vai dar aula como professora de biologia, estará acontecendo uma feira de ciências, e o médico que cuidou dela vai participar também dessa feira de ciências”. Ela dá um trabalho de pesquisa para os alunos, eles fazem o trabalho, pesquisa de campo, e apresentam nessa feira. Qual é o resultado que eles apresentam? É o da pesquisa que o médico fez do trabalho dele profissional. E funcionava assim. Eu escrevia um capítulo, mandava para ele, ele sentava com a equipe, fazia a revisão técnica. Eu até achei engraçado uma vez. Foi só uma vez que aconteceu isso, que ele me falou: “não, Rubens, aqui não é assim. É primeiro o procedimento A e depois o procedimento B. Do jeito que você escreveu aqui” — bom, eu não sou médico, não sou oncologista, não entendo do assunto — “(…) do jeito que você escreveu aqui, você mata a paciente, não pode. Então você tem que inverter aqui, primeiro esse procedimento, depois o outro”.

Ok, eu fazia as devidas revisões, porque é um livro que está falando de câncer de mama, não posso escrever qualquer coisa. Eu dava o conteúdo, ele me dava o que ia ser dito e eu dava a maneira como isso ia ser dito. Mas você percebe? Eu estava usando uma pesquisa de campo, uma pesquisa real, e eu estava usando ficção, estava usando dados científicos, informações reais, dadas por pessoas reais, que tinham sentimentos reais. Isso é um hibridismo.

No meu trabalho eu sempre procuro usar o recurso literário, a linguagem literária, mas às vezes preciso de uma linguagem um pouco teológica, e às vezes eu preciso também de algo um pouco mais crítico, um pouco mais jornalístico, mais filosófico. Por que isso? Não é apenas por gosto, é porque isso é importante para eu conseguir atingir aquilo que eu quero, que é passar uma mensagem inteira.

E, para finalizar, às vezes eu estou numa situação, no meu trabalho também de escrever, em que preciso trabalhar o CHA, conhecimento, habilidade e atitude. Conhecimento, saber fazer. Preciso entrar como se eu fosse um personagem de professor, o que dá conhecimento, o que diz tudo o que pode sobre o bolo floresta negra. É uma linguagem.

 Depois, eu saio desse personagem e me transformo em outro, no técnico. Levar o leitor a saber fazer o bolo floresta negra. É outra linguagem, é o passo a passo, é a receita. É como você faz. Eu mudei de linguagem, então preciso saber fazer. O hibridismo é saber usar as diferentes linguagens.

E, por fim, a atitude, que já é uma linguagem mais motivacional. Não adianta nada você saber tudo sobre o bolo, saber fazer o bolo, se você não quer fazer o bolo. O A é atitude. E aí eu trabalho a linguagem mais motivacional. Eu faço de conta que eu sou psicólogo.

Tudo isso, para mim, eu vejo como hibridismo. Como mistura de estilos. E onde eu pretendo chegar? Pretendo prestar um serviço adequado para o meu leitor. Todos esses recursos são importantes, eu uso, eles estão aí. Eu tive a oportunidade de conhecer, então eu uso e com isso eu aumento as minhas chances de conseguir realizar aquilo a que me propus. Era isso.

 

NÃO PERCA, NA PRÓXIMA SEMANA:

 

Escritora Luisa GeislerA minha pergunta para o professor Rubens é se existe algum conselho literário que a gente possa generalizar. Se tem alguma coisa que a gente possa dizer que se aplica a todo tipo de escrita. Se tem algum conselho que é válido, independente do autor que o ouve. A minha segunda pergunta para o Rubens é a seguinte: tem como se tornar escritor sem ser um grande leitor? E eu não digo se tornar o melhor escritor da face da terra, eu digo: tem como uma pessoa ser escritora sem ser uma grande leitora? De ficção especificamente, mas pode estender a pergunta para onde quiser. (Luisa Geisler)

 

Perguntas e respostas avançadas sobre Escrita Criativa – Episódio 6 fica por aqui. Na próxima semana voltaremos com o próximo episódio.

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